Atlantic, Virgo de Los, 2008
Era um final de semana escandalosamente promissor, demitira-me do ofício como quem não quer a coisa, tolhido na alma e violentado, esgotado e ausente de sentidos, consternado e, por que não, de súbita e fatal descrença invadido, as já depenadas asas da provação voluntária e consciente a que me submetera, castigava apenas um ou outro poema sazonal que caprichosamente carpira numa esplanada de bairro, junto de meus semelhantes e de seus sombrios delírios veraneantes, de modo que em mim despertava outrossim a sossegada celeridade de um deus que se revezasse pacificamente na peçonha ondulante da comédia humana que eu ajudara a eternizar, chamámos-lhe uma obra aberta, labiríntica, por comodidade e, enfim, tratava-se de uma questão que concernia aos intervenientes, era conveniente às musas e conivente com os mais sóbrios desígnios desta que se diz minha fiel leitora, um objecto artístico, sintomático, pejado de sentimentos cruéis e de suicidárias significações, tudo em prole da prole, minha irmã, que insiste em vestir a saudade com lágrimas de escárnio e ânsias milhafres, um manuscrito pois em estado latente de decomposição, sinal dos tempos apocalipticamente caligrafados, correntes e cilícios, sarcófagos secos de sombras e de sóis que a cerveja e os caracóis reconhecem não admitir, porque a minha vontade é a de desaparecer por momentos no turbilhão de vossas mágoas, porque a leviandade comove-me e a minha obra aperta, extinguindo-se serena, sabiamente, dedicada às manhãs e à contemplação de incêndios que só as marés soem artísticas sofrer, comendo cerejas sob o chaparro da memória que entardece cedo, questionando a seriedade de Deus com uma gargalhada maior e mais larga, rude e o meu sonho confrontando o eterno, impiedoso e mágico pesadelo do tempo.
João Nery S.
Putos a Roubar Maçãs, Dead Combo, 2008
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