Décimo Sétimo Fragmento
130 - Não há nenhuma questão de imigração. Nós não crescemos onde nascemos. Nós não vivemos onde viveram os nossos antepassados. Não somos de lado nenhum, embora gostemos de turismo. Nós somos um convidado dentro das nossas famílias.
131 - A maior prova do Império e, em contrapartida, da Máquina de Guerra, reside neste ponto: o poder decisivo não se encontra, já, em qualquer região do mundo. Assim sendo, a Máquina de Guerra não pretende ocupar território, mas ser o território.
132 - As organizações dividiram o que somos na trindade: O que és? O que fazes? No que te transformarás? Uma tentativa organizada (reforçar pontos fracos) de impedir a organização (eliminar pontos fracos) que nos dita que os três são apenas um.
133 - O indivíduo é uma ficção. A Lira Insubmissa declara a revolução como um ataque à ideia do que é o Homem. Até lá, distraiam-se sendo vós próprios (esse é o objectivo do homem moderno). O vosso eu pertence-vos, o vosso corpo, a vossa mente, o vosso apartamento e os problemas pelos quais tiveram de passar para chegar até aqui, cabe-vos a vós o prémio e a recompensa por esses bens, porque o merecem e se comportaram como heróis. Quanto mais investirem, mais depois vão receber (no final dos tempos).
134 - Seja auto-suficiente, encontre um patrão.
135 - A Lira Insubmissa aconselha as causas importantes a serem, em vez de trazidas ao público, ocultadas. Sermos, socialmente, um nada, é termos a liberdade, e a liberdade de atacar com um golpe irreversível e invulnerável.
136 - A necessidade de ser-se a si mesmo dita-nos, na verdade, e traduzindo, que temos de ser fortes, termos de ser fortes dita-nos que somos fracos, termos de ser nós próprios afirma-nos que ainda não somos nós próprios, e no fim, nunca seremos (o que és?, o que fazes?, no que te transformarás?), o amor é uma terapia para esta doença, a produção, a amizade, a conversa, o espectáculo, em que somos todos pacientes e o mundo um hospital. Ser-se a si próprio é estar constantemente à beira do colapso: é assim que se governa – mantendo a crise e organizando-a, num sistema de dependências.
137 - Eis o bramido da Lira Insubmissa: o Homem, na realidade, é tudo, excepto ele próprio (literalmente e salutarmente).
139 - O leitor da Lira Insubmissa não é diferente, não é separado, não é definido e etiquetado, qualificado nem controlado. É sim algo de primordial. Não tem colegas, amigos cibernéticos, contactos, namoradas, conhecidos, companheiros, amigos, e nem é nenhum destes para ninguém: é um estranho movendo-se no meio de estranhos. Mas em cada gesto existe verdade. Tudo o mais são palavras de comando, como as das linguagens de programação.
140 - A depressão é uma virtude menosprezada, sendo que ela é o primeiro sintoma de dissociação política e um passo tão importante quanto o do parto. A liberdade passa primeiro pelo tempo-morto, ou seja, não o tempo em que não temos nada para fazer, ou aquele das férias, mas o tempo que nos revelou que não há nada para fazer, evocando uma actividade tão poderosa que o tempo não a contenha nem a limite.
141 – Na sociedade do trabalho, dos desempregados, a Lira Insubmissa termina este fragmento (mas já se preparando para o próximo) com uma proposta em vigor: greve geral dos artistas a nível nacional, de um de Junho de 2010 a um de Junho de 2013. Mediante a ausência de arte, a presença da realidade.
André Consciência
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