"Eu bem sei que Portugal, a sua grande empresa, os descobrimentos, foi uma empresa do Estado e entende-se aí que fosse uma empresa do Estado. Porque era preciso fazer alguma coisa e era preciso comandar, era preciso reger a orquestra, se se fosse fazer uma assembleia-geral para saber se queriam dobrar o Cabo Bojador ou não queriam dobrar o Cabo Bojador, nunca ninguém os entendia. E além de tudo, e é preciso não perder essa ideia, porque foi uma empresa naval, na sua melhor coisa ela foi uma empresa naval, e toda gente sabe que não há possibilidade de pôr um navio no mar e o fazer navegar reunindo todos os dias uma assembleia geral do pessoal de bordo para ver o que é que se quer, tem que haver mesmo um comandante. Mas, de facto, o que Portugal tinha não era um navio no mar, porque esse, um navio, tratava de si. Não, o que Portugal tinha era uma esquadra no mar e dependências em terra para apoiar a esquadra, de maneira que a empresa era ter um almirantado para reger o mar e para reger os navios no mar. É uma empresa estatal, de marinha e que portanto se tem que reger pelos aspectos da marinha. E eu continuo a achar que Portugal ainda tem uma mentalidade naval. Quer dizer que a grande coisa seria conceber Portugal como uma série de navios em terra, espalhados por lá, com seus comandantes comandando, mas haver, como também há na marinha, um conselho de guerra, pronto a julgar todos os comandantes que se excedessem. Suponho que se Portugal se modelasse sobre o navio é que haveria um bom sistema político e restante, o resto também para Portugal, um dia falamos nessa coisa. Mas na realidade é possível que muitos dos países que tomaram uma economia estatal e que estão nessa economia, há de facto uma cúpula que o reina e os outros que obedecem, quer queiram quer não. Também ainda se pode entender, que eles estão numa espécie de coisa de guerra, que se trata de guerrilhar a pobreza ou subdesenvolvimento, etc., todas estas coisas. Mas nos países que já atingiram um certo nível de desenvolvimento, é evidente que as empresas estatais talvez pudessem ser completamente suprimidas. António Sérgio insistiu muito nesse ponto que é a economia da cooperativa. Ele achava que o modelo inglês ou o modelo sueco é que seriam os ideais. Eu suponho que António Sérgio nisso estava tão errado como aqueles que tratam de sistemas políticos ou de literaturas ou de filosofias para Portugal, copiar as da França ou da Alemanha ou da Inglaterra ou da América. Não, o que se teria que se procurar em Portugal, seriam quais as raízes cooperativistas do povo português e lançar sobre isso uma estrutura moderna, adequada às condições modernas, e não copiar o que faz a Inglaterra, que é excelente para os ingleses, ou o que faz a Suécia, que é excelente para o sueco."
5 comentários:
"o que se teria de procurar em Portugal..."
Pois era. E ninguém o fez até hoje (nem promete, como dizia o Camilo...)
Em meu entender, agora é irreversivelmente tarde para isso - não talvez para procurar outras soluções, mas para procurar soluções a partir de 'raízes'. Gostaria muito de estar enganado.
De facto, o mundo de que fala Agostinho (Portugal nele incluído) já em grande parte não existe. E o que é assombroso é que este foi um depoimento relativamente recente. O mundo, nestes últimos vinte anos, mudou efectivamente muito...
Assim penso, Renato. Esse é o ponto chave. Embora, claro, as coisas perenes sejam perenes; são as que temos como 'modernas' que estão irremediavelmente mortas - e as que vêm em substituição dessas são temíveis.
Tempos interessantes, para quem ache graça - o que não é o meu caso.
Concordo convosco e acho que copiar exemplos de outros países sem reflectir sobre a sua adaptabilidade ou não, não é criar. Sempre digo que os países são como os homens: têm vontades e necessidades próprias e cada caso é um caso.
Sempre que um problema surge é porque já existe solução para o mesmo.
Mas Agostinho da Silva estava já muito à frente do seu tempo e hoje o tempo anda tão depressa que não avança...
Bela frase: "hoje o tempo anda tão depressa que não avança..."
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