Nos últimos anos e, na continuidade do apoio da antiga União Soviética aos países que combateram o colonialismo português, temos assistido ao aumento da influência da Rússia na África Lusófona.
Com efeito, com exceção de Cabo Verde, todos os outros países africanos da CPLP não só não suspenderam as relações com a Rússia (como fizeram Portugal e Cabo Verde) como as reforçaram: foi o caso de Moçambique, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial e São Tomé e Príncipe. Luanda parece estar no seu próprio caminho, aproximando-se mais dos EUA mas sem cortar decisivamente com a Rússia. Quanto ao Brasil lulista, parece mais próximo da Rússia do que durante a administração Bolsonaro e as teses antiocidentais no Brasil estão hoje em dia mais fortes do que nunca.
Por estas razões a influência russa em África não tem parado de crescer. Atualmente a "Africa Corps" está presente na República Centro Africana onde há um conflito potencial com o destacamento militar português composto por 243 militares, dos quais 188 integram a MINUSCA e 55 participam na missão de treino da EUTM RCA. Para além da República Centro Africana, e sempre através da "Africa Corps", a Rússia tem militares "não-fardados" na Líbia, no Mali (onde recentemente 80 russos foram mortos numa emboscada dos tuaregues), Sudão e Burkina Faso. O plano inicial era de colocar em África mais de 40 mil mercenários mas houve problemas de recrutamento provocados pelas perdas russas na Ucrânia (que estão consistentemente acima das mil baixas diárias) e o objetivo não foi alcançado.
A presença dos mercenários russos também não correu bem em todo o lado: Em Moçambique, por exemplo, em 2019 (e tendo em vista o gás natural moçambicano) a "Wagner" enviou algumas centenas de mercenários para o norte do país para lutar contra as forças do Estado Islâmico. Mas este destacamento russo foi ineficaz: as barreiras linguísticas e culturais dificultaram a integração com as tropas do governo e os Wagner foram surpreendidos com um número elevado de baixas (sete mercenários foram capturados e degolados por insurgentes). Meses depois retiravam-se de Moçambique. Hoje em dia são os militares do vizinho Uganda quem estabiliza a situação e garante a paz no território.
Se a ligação militar entre os países da CPLP parece mais sólida do que nunca, o mesmo parece acontecer no contexto diplomático, embora com menos intensidade, no que respeita às votações na Assembleia Geral da ONU.
E contudo não devia ser assim. A CPLP devia ter uma posição comum mais alinhada e concertada com o interesse de todos os seus Estados. Isso mesmo é determinado pelo artigo 4.º dos seus estatutos: "a) A concertação político-diplomática entre os seus membros em matéria de relações internacionais, nomeadamente para o reforço da sua presença nos fora internacionais; b) A cooperação em todos os domínios, inclusive os da educação, saúde, ciência e tecnologia, defesa, oceanos e assuntos do mar, agricultura, segurança alimentar, administração pública, comunicações, justiça, segurança pública, economia, comércio, cultura, desporto e comunicação social."
Ora o recente acordo militar entre São Tomé e Príncipe e a Federação Russa, apesar de opaco e secreto, colide — naquilo que dele se conhece — com várias alíneas destes estatutos e consequentemente e vem questionar a seriedade com que os países que integram esta comunidade encaram a sua participação enquanto Estados livres e soberanos a que nada obriga a pertencerem à Comunidade. E se colide de forma tão flagrante, há que perguntar para que serve, mesmo, uma comunidade de Estados independentes que não respeitam estes princípios basilares. De que serve uma CPLP maximalista no âmbito geográfico ("todos" os países lusófonos mais a dúbia Guiné Equatorial) mas minimalista até ao grau zero no que respeita às suas posições perante os maiores conflitos mundiais da atualidade?
De que serve uma CPLP que nem sequer consegue garantir que um dos seus Estados-membros não tenha abolido "de forma total" a pena de morte conforme prometeu no processo de adesão e que fique "satisfeita" (palavras de Zacarias da Costa, o atual secretário-executivo da CPLP) com a situação com os direitos humanos neste país "lusófono"?
Rui Martins, membro do MIL
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