Na introdução
à versão publicada da sua dissertação de doutoramento recentemente defendida em
Portugal, Carlos Fino alude a um “estranho
estranhamento” entre Portugal e o Brasil, que “opera como fator inibitório do
aprofundamento das relações, que estão aquém da intensidade registada noutros
casos de relacionamento entre a ex-potência colonial e as ex-colónias,
designadamente a Inglaterra com os Estados Unidos e a Espanha com os países
latino-americanos”.
Eis, a nosso ver, uma tese que
não é de todo válida na área da filosofia. Do lado de Portugal, sempre houve um
profundo interesse filosófico pelo Brasil – por mais que esse profundo
interesse nem sempre tenha tido a correspondente reciprocidade expectável. O
que, em grande medida, se compreende, numa visão mais ampla dessa relação
recíproca entre o Brasil e Portugal.
Com efeito, para Portugal o
Brasil é, por excelência, “a criatura que excede o criador”. Se ainda hoje
impressiona como um país tão (quantitativamente) pequeno como Portugal se
conseguiu projectar à escala global – como nenhum outro país –, o Brasil foi,
é, a concretização maior dessa projecção ultramarina, a maior prova material
dessa proeza. Daí, por exemplo, como aqui veremos, a visão do Brasil de
Agostinho da Silva, provavelmente o português que mais conheceu e amou o
Brasil, onde viveu cerca de um quarto de século, entre 1944 e 1969 – como
continuação, mais do que isso, como plenificação, de Portugal.
Do lado do Brasil, é natural que
essa visão “paternalista” da parte de Portugal nunca tenha sido aceite sem
reacção. Porém, como nós próprios escrevemos num texto recente: “Duzentos
anos após da sua independência, esperamos também que o Brasil ultrapasse de vez
a sua tentação freudiana de ‘matar o pai’ (…). Por mais ‘verdades alternativas’
que nos queiram impingir, se o Brasil se mantém unido duzentos anos depois, é,
desde logo, porque, no contexto da América Latina, tem uma língua própria: a
nossa língua comum. Ou seja, no essencial, o Brasil é o Brasil porque é um país
lusófono”.
Eis,
de resto, o que, ainda segundo Carlos Fino, foi sendo reconhecido, por mais que
de forma relutante – como escreveu ainda, na sua referida introdução: “Daí que
o próprio Sérgio Buarque de Holanda – que queria cortar essas raízes
[portuguesas] por considerá-las obstáculo ao desenvolvimento — tenha acabado
por reconhecer que subsiste entre os dois países uma ‘alma comum’. ‘Um
substrato unificador poderoso” – confirmaria, mais tarde, Antônio Cândido – ‘formado pela língua e por
influências originárias de todo o tipo”. A
respeito das visões portuguesas do pensamento brasileiro, eis, em suma, o que
procuraremos aqui verificar, destacando, para tal, para além de Agostinho da
Silva, a obra de dois insignes filósofos-hermeneutas portugueses: Sampaio Bruno
e António Braz Teixeira.
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