- A filosofia sempre se caracterizou por ser a forma máxima de
auto-consciência do próprio pensamento. Daí essa atenção, igualmente máxima, em
relação à terminologia e à argumentação… Mas essa tem sido também, em muitos
casos, a perdição da própria filosofia: enclausurar-se num solipsismo em que já
nada nos liga à realidade… Lembro-me sempre, a este respeito, de uma “boutade”
pessoana: “pensar é estar doente dos olhos”. Obviamente, é uma “boutade”, uma
provocação… Mas não deixa de ser um alerta pertinente. Devemos pensar sempre
com os olhos bem abertos, atentos à própria realidade, para não nos
enclausurarmos nesse solipsismo estéril e alienante, que poderá ser ou parecer
uma forma de intelectualismo, mas que pouco ou nada tem de filosófico. Pode
parecer paradoxal, mas sinto-me cada vez mais um filósofo anti-intelectualista…
- O queres dizer quando te assumes como “cada vez mais, um
filósofo anti-intelectualista”?
- Talvez precisasse
de um livro para o explicar devidamente… Mas, da forma mais sucinta possível,
diria que a filosofia, tal como a entendo, é, acima de tudo, uma sabedoria de
vida, que mais naturalmente se cumpre no silêncio, ou em breves palavras, do
que na tagarelice, por mais que erudita…
- Mas a
filosofia não anda sempre à procura do novo?
- A filosofia, classicamente, tem alguma relutância relativamente ao
alegado “novo”. Haverá algo de radicalmente “novo”? Todo o alegado “novo” não
será apenas uma variação, ainda que não meramente repetitiva? Tendo a
considerar isso, ainda que, obviamente, existam variações que são realmente
novas…
- E qual a diferença entre
filosofia e ideologia?
- Idealmente, os excessos ideológicos deveriam ser evitados pelo pensamento
crítico próprio da filosofia. Mas sabemos que, historicamente, isso não tem
sido assim. Desde Platão que há, também na filosofia, uma tentação pelo poder.
Heidegger – provavelmente, o maior filósofo europeu do século XX – também não
resistiu a essa tentação, tendo-se envolvido, como se sabe, no delírio nazi
alemão…
- Achas que a filosofia está “na
moda”?
- Infelizmente, não. É certo que a filosofia tem sido revalorizada em
certas áreas – inclusivamente, a nível empresarial –, por contribuir, em regra,
com um pensamento menos pré-formatado, mais abrangente, mais inter-disciplinar,
mais holístico. Mas não me parece que essa seja uma tendência crescente na
sociedade em geral. Olhando para as “redes sociais”, dir-se-ia que se passa
exactamente o contrário: posições cada vez mais imediatas, meramente
emocionais, em que cada um vive na sua “bolha”, com a sua “tribo”: a antítese
da vivência e da convivência de cariz filosófico…
- Será também pela falta de
leitura na escola?
- Essa é decerto uma das causas. Hoje, o mais comum, mesmo em trabalhos universitários, é um aluno não citar livros, mas apenas “sites”, onde vai buscar algumas citações. Ou seja, tem-se vindo a perder essa experiência de uma leitura de fôlego, de fundo, em prol de uma leitura fragmentada. Ora, na filosofia, isso é particularmente trágico…
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