- Consideras que as recentes eleições em Itália significaram um “regresso do
fascismo”, como muita gente diz?
- De todo – essa é a lengalenga habitual dos
nossos media, tão enviesados
ideologicamente quanto imprecisos no plano filosófico. Tal como cada um de nós,
também as correntes políticas são elas e as suas circunstâncias. O fascismo
singrou num contexto muito específico, na Europa: a aparente falência
irreversível da democracia liberal e a ameaça, bem real, da União Soviética.
Ora, apesar de todas as crises da democracia entre nós, o contexto é assaz
diferente. Não há ninguém hoje que, seriamente, na Europa, equacione sequer a
hipótese de acabar com as eleições gerais ou com um princípio de “um homem, um
voto”.
- Sim, mas a nova Primeira-Ministra italiana, Giorgia Meloni, elogiou
publicamente Mussolini…
- Sim, mas, uma vez mais, importa ter conta a
circunstância, o contexto. Eu, que sou republicano, admiro muitos dos reis
portugueses, pela sua acção histórica – e nem por isso deixo de ser
republicano. Quem reconhece algum mérito na acção de alguns ditadores – como o
Marquês de Pombal ou, mais recentemente, Oliveira Salazar – não está
necessariamente a defender, nos dias de hoje, o regresso à ditadura…
- Tem-se falado, a respeito de Itália, do pós-fascismo. O que se deve
entender por isso?
- É curioso como, à esquerda, se aceita
naturalmente a evolução ideológica de muitos partidos e o mesmo se parece
recusar à direita. O PCP, em Portugal, apesar de toda a retórica, já não
defende a via revolucionária, nem, muito menos, a ditadura do proletariado. O
mesmo aconteceu com o Bloco de Esquerda, que tem uma matriz ideológica muito
próxima, desde logo por via da UDP, um dos partidos fundadores do Bloco… À
direita, ao contrário, recusa-se à partida como possível qualquer evolução
ideológica. O conceito de pós-fascismo procura dar conta dessa evolução: até de
gente que viveu o fascismo e que, décadas depois, aceitou o regime democrático
como o único regime equacionável na nossa circunstância histórica…
- Consideras mesmo que o regime democrático é irreversível?
- Um dos textos fundadores da filosofia é a Politeia, de Platão: um longo e implacável libelo contra a democracia, em prol de um regime autoritário, governado pelo “Rei-Filósofo”. Hoje, ao relermos esse texto, podemos admirar a obra de Platão e até reconhecer a pertinência de muitos dos seus argumentos. Mas, reitero: no nosso espaço civilizacional, não há ninguém hoje que, seriamente, equacione sequer a hipótese de acabar com as eleições gerais ou com um princípio de “um homem, um voto”. Isso só poderia acontecer numa situação de absoluta catástrofe…
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