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MIL: Movimento Internacional Lusófono | Nova Águia


Apoiado por muitas das mais relevantes personalidades da nossa sociedade civil, o MIL é um movimento cultural e cívico registado notarialmente no dia quinze de Outubro de 2010, que conta já com mais de uma centena de milhares de adesões de todos os países e regiões do espaço lusófono. Entre os nossos órgãos, eleitos em Assembleia Geral, inclui-se um Conselho Consultivo, constituído por mais de meia centena de pessoas, representando todo o espaço da lusofonia. Defendemos o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço lusófono – a todos os níveis: cultural, social, económico e político –, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma verdadeira comunidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade.
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NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI

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"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

Nenhuma direita se salvará se não for de esquerda no social e no económico; o mesmo para a esquerda, se não for de direita no histórico e no metafísico (in Caderno Três, inédito)

A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo (in Cortina 1, inédito)

Agostinho da Silva

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Teixeira de Pascoaes: a perspectiva de José Marinho

 

Teixeira de Pascoaes foi, de longe, o poeta de eleição de José Marinho - de tal modo que, para além de Leonardo Coimbra, só a Pascoaes chamou Marinho de “Mestre”. Eis, desde logo, o que podemos atestar lendo a sua dissertação de Licenciatura, Ensaio sobre a Obra de Teixeira de Pascoaes, onde escreveu, em jeito de conclusão, que “ele é depois de Camões o maior poeta de Portugal e um dos grandes poetas modernos sendo que, segundo nos parece, realizou com o Regresso [ao Paraíso] a obra mais afirmativa que se fez após o Fausto”.

Eis, ainda, o que podemos atestar lendo o conjunto de textos que redigiu, entre a década de quarenta e os primeiros anos da de cinquenta, para um projectado livro sobre Teixeira de Pascoaes, intitulado Pascoaes e a poesia do etéreo, onde o afirma como “o primeiro poeta português”, como um dos “raros sobreviventes de uma maravilhosa raça de homens ou de semi-deuses”, como um representante da “mais pura sabedoria do ocidente e do oriente”, cuja poesia “se situa no extremo processo agónico do cristianismo e anuncia entre sombras e contrastes a nova idade do ser e da vida sempre adiada, sempre presente”. E, por isso, qualificou-o Marinho, em outros textos seus, como “o mais glorioso e irredutível dos nossos heterodoxos”, como “o novo arauto da velha heresia”, como “o mais genial vidente da nossa poesia, e sem dúvida dos mais geniais videntes que o nosso Ocidente viu”, escrevendo ainda, por ocasião da sua morte, as seguintes palavras: “Poesia prodigiosa e imensa, devemos-lhe uma parte da iniciação no sentido daquela difícil sabedoria de que os poetas visionários e os pensadores afins são, na Europa, os últimos representantes visíveis”.

A morte do autor do Regresso ao Paraíso, ocorrida a 14 de Dezembro de 1952, provocou, aliás, em Marinho, uma comoção similar à provocada pela morte de Leonardo Coimbra, bem expressa nas seguintes passagens: “A morte de Pascoaes não é morte de homem. No entanto, sinto-me perturbado pelo desaparecimento deste ser estranho e singular que em vida tanto me intimidou…”; “Agora que, depois da morte de Leonardo Coimbra, morre também Pascoaes, ninguém resta para falar do que mais importa, ficando em cena apenas os que confundem filosofia com ciência ou cultura, e os que da poesia retêm afinal a expressão humana, angustiada ou desesperada, confiante ou esperançosa, temos nós de fazer das fraquezas força”. Este paralelo é, de resto, tanto mais pertinente, porquanto, como o próprio José Marinho assumiu, foi o autor d’ A Alegria, a Dor e a Graça que o iniciou na obra de Teixeira de Pascoaes – nas suas palavras: “Quando, há já mais de trinta anos, sob o influxo do magistério de Leonardo Coimbra, deixei penetrar a minha alma da música subtil e do sentido remoto da poesia de Teixeira de Pascoaes, começou um deslumbramento que não mais terminou. Mas talvez eu não devesse dizer que ‘deixei penetrar a minha alma’. Não houve aí da minha parte nenhum consentimento. A verdade é que fui arrebatado, violentado, vencido (…). Com isso, começaram para mim (…) dificuldades consideráveis”.

Dessas “dificuldades consideráveis”, sempre Marinho deu assaz expressivo testemunho – daí, a título de exemplo, estas passagens: “Enquanto homem, que ele só foi num já ter sido e num ainda para ser, Pascoaes confundiu-me e intimidou-me sempre”; “Teixeira de Pascoaes intimida-me, como nenhum outro poeta de Portugal. Intimida-me o homem que desceu aos Infernos e fala com as sombras fantasmáticas e me forçou, com seu poder, a abandonar muitas das minhas humanas ilusões”; “Pascoaes é um ser terrível e a sua poesia, uma coisa imensa e prestigiosa, tornou-se-me fonte de tormento. Quando penso nas dificuldades extraordinárias a vencer para dar dela uma ideia digna, interpretar qualquer outro poeta de Portugal torna-se uma brincadeira.”; “Tremo, ao tentar dizer alguma coisa sobre a sua poesia. Sofri nisto, sucessivamente, abertas derrotas. Teixeira de Pascoaes é, para mim, o poeta invencível.”.

Mas – perguntamos enfim – a que se deve esta tão “funda impressão”, em Marinho, desde logo da pessoa de Pascoaes – ainda nas suas palavras, “ele nunca foi para mim um homem, mas humano portador de alguma coisa a saber e a dizer” – e, sobretudo, da sua poesia? Não apenas, decerto, ao facto de ser, como reiteradamente defendeu, uma poesia “autenticamente original” – como ressalvou, “no sentido mais puro, como Leonardo Coimbra assinalou: original porque vem da origem”. Não apenas, igualmente, decerto, por ser “a poesia menos ‘artista’, a menos latina e ladina, a menos francesa”. Também Guerra Junqueiro foi por Marinho considerado como “original” e “pouco, ou nada, artista”, e nem por isso, não obstante a sua assumida “junqueirianite aguda”, o poeta das Orações causou, em Marinho, tão “funda impressão”.

Tal tão “funda impressão” deveu-se antes, na nossa perspectiva, a uma série de intuições de Pascoaes – veremos já de seguida quais – que foram, para Marinho, motivo de meditação e consequente desenvolvimento filosófico. Para Marinho, aliás, a poesia, o “pensamento poético”, é essencialmente isso: intuição. Intuição, essa, que o filósofo, ou o próprio poeta já enquanto filósofo, irá depois desenvolver… A esse respeito, foi Pascoaes um poeta particularmente fecundo, facto que o próprio Marinho fez questão de frisar em diversas passagens da sua obra – a título de exemplo, atentemos nestas: “É verdadeiramente extraordinário notar como o que em filosofia é, em geral, tão difícil de alcançar, se encontre no nosso Poeta gratuitamente dado e se apresente desde início. Pascoaes não tem de esperar a visão amadurecida.”; “Nele, como nos visionários e subtis pensadores da sua estirpe, o mais distante torna-se o mais próximo, o mais oculto é o mais patente…”.

Eis, desde logo, o que aconteceu com a intuição pascoaesiana da “inconsciência do ser criador” – nas suas palavras: “A visão central do Verbo Escuro é a intuição central da obra de Teixeira de Pascoaes. Posso falar neste ponto com segurança inteira porque essa intuição é comum ao poeta e ao intérprete. E posso dizer hoje que toda a minha dificuldade no estudo do pensamento de Leonardo Coimbra nasceu e ficou neste ponto. O poeta e o filósofo contrapõem-se aqui de todo a todo. Para Leonardo Coimbra o ser é criação. Deus é imediatamente criação, a queda é posterior à criação. Para Teixeira de Pascoaes, a criação é uma forma extrínseca do ser de Deus como ele pode revelar-se no homem, que é, ele próprio, criador iludido no seio da ilusão”. Daí ainda o dizer-nos, a esse respeito, que “esta ideia sobre a inconsciência no ser criador é uma das intuições fundamentais do poeta (intuição aliás a que eu mesmo cheguei e por isso a logrei perscrutar no âmago da poesia do poeta e explicitar intelectualmente).”. E que intuição é, no fundo, essa? Simplesmente, esta – nas palavras do próprio Marinho: “o ser, enquanto é, ignora-se”. Eis, precisamente, a intuição que Marinho irá depois desenvolver, determinando a sua “doutrina cumulativa da visão unívoca e da cisão” – ainda nas suas palavras: “O ser enquanto ser é sem verdade./ O ser para assumir a verdade de si torna-se outro: cinde-se.”.

E, por isso, num artigo publicado, no Diário de Notícias, em 24 de Janeiro de 1963, é Pascoaes por Marinho qualificado como o “poeta da visão unívoca” – é esse, de resto, o título do artigo. E, por isso, nos disse ainda nesse artigo que “talvez a mais profunda descoberta do Poeta fosse a verdade funda de que Deus é o único autêntico ateu e de que o ateísmo sempre impossível mas maravilhoso é o centro da visão unívoca”. Tivesse sido ou não essa “a mais profunda descoberta do Poeta”, foi, no entanto, nela que Marinho fundou a sua Teoria do Ser e da Verdade. Esta obra, a sua obra teorética de maior ambição, publicada em 1961, não faz mais, com efeito, do que desenvolver, até ao mais extremo limite, esta “descoberta”, esta “intuição”: o ser pleno, “Deus”, não é para si, é, literalmente, ateu; por isso, ele de si se cinde.

Nos textos expressamente dedicados a Pascoaes, podemos, aliás, encontrar, uma série de teses que Marinho irá depois retomar, e extremar, na sua Teoria do Ser e da Verdade – a título de exemplo, atentemos nestas: “O nosso ser é cisão, é separação...”; “O que separa liga, o que liga, separa”; “Relação de cada ser com o absoluto. É logo imediato. Cada ser é, em carência, todo o ser (…). Ser separado da origem, eis o motivo de toda a dor e da morte (…) por outro lado, porém, nada é separado da origem, tudo está vinculado estreitamente a Deus”; “Cisão supõe, com a ruptura que se diz cisão, aquilo que se cinde e o resultado da cisão. Ora, é evidente que no homem haja alguma memória ou reminiscência e saber do que antecedeu a cisão. Eis o que chamamos absoluto. Aí nenhuma verdade é procurada porque o absoluto só tem sentido como plenamente claro para si (…). Pois agora advém que a cisão é como um realíssimo engano. Tudo se passa como se, ao cindir-se, o absoluto deixasse de ser pela cisão. Realmente, ele, ao cindir-se, permanece inalterável”.

Daí, com efeito, toda a “dívida” de Marinho para com Pascoaes, “dívida” essa que, honra lhe seja feita, Marinho expressamente assumiu – daí, a título de exemplo, estas suas palavras: “Durante alguns anos, eu, como a muitos outros tem acontecido em nossos dias, dentro e fora de Portugal, fui acusado de metafísico e a acusação entendia-se neste sentido: de que eu, e outros, desatendíamos o Tempo e o Homem para nos referirmos incessantemente à Eternidade, a Deus, ao Absoluto. Pois bem, no momento em que assim me acusavam, eu fazia justamente o caminho contrário. Descobrira que só é possível encontrar o sentido da Eternidade pelo aprofundamento do sentido do Tempo e que Deus só se revela plenamente a quem cumpriu a sua humanidade, descobrira que se o Absoluto, como firmemente creio, e o Poeta crê comigo, está para além de toda a relação, é necessário viver e pensar a relação plenamente para o sentido do Absoluto, passar da ideia abstracta, que é menos ideia, para a ideia concreta, que é plenamente ideia./ Se vos falo desta experiência é para vos tornar compreensível a luz súbita que recebi de Pascoaes, e que veio, sob um certo aspecto, confirmar a iluminação gradual que me veio do estudo da obra de Leonardo Coimbra”.

A esse respeito, Marinho não poderia, com efeito, ter encontrado melhor Mestre. Em Pascoaes, o Absoluto é, simultaneamente, o mais distante – o para além de toda a relação – e o mais próximo – o verdadeiro ser de todo o ser. E por isso, como o próprio Marinho reiteradamente referiu, foi, de facto, Pascoaes um “poeta da natureza”, um “poeta cósmico”, “de mais amplo e abissal sentido cósmico”, um poeta “panteísta”, sendo o seu panteísmo “produto duma comunhão íntima com os seres” – nessa medida, um poeta “profundamente terrestre sem pertencer à terra”, um “poeta materialista no sentido mais fundo do termo”, dado que vê em toda a matéria a presença do “espírito”, do próprio “ser absoluto ou Deus”. Daí, aliás, ainda nas palavras de Marinho, todo o Enigma: “Sob um aspecto, Natureza e homem são intrínsecos a Deus. Mas este Deus que tudo abrange e que a tudo quanto existe confere o ser próprio e perfeito, esse não podemos nós ver.”. Daí, mais do que isso, todo o Mistério… Mas isso foi algo que o próprio Marinho só veio depois a descobrir, ainda e sempre iluminado por Pascoaes – nas suas palavras: “Ao contrário dos anos juvenis, sabemos hoje que o mistério tem de permanecer imaculado ao penetrar-se.”. Daí enfim, porventura, a superioridade da palavra poética: só por ela se preserva o Mistério.

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