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MIL: Movimento Internacional Lusófono | Nova Águia


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"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

Nenhuma direita se salvará se não for de esquerda no social e no económico; o mesmo para a esquerda, se não for de direita no histórico e no metafísico (in Caderno Três, inédito)

A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo (in Cortina 1, inédito)

Agostinho da Silva

domingo, 7 de novembro de 2021

O excentrismo filosófico-político de Raul Leal

 

A obra de Raul Leal tem suscitado os mais diversos qualificativos – ora mais encomiásticos, ora, sobretudo, menos abonatórios –, mas nós partiremos aqui do qualificativo, relativamente neutro, de “excêntrico”. Sendo que procuraremos atestar a extrema coerência de Raul Leal, ainda que na sua “excentricidade”.

Com efeito, se algo caracteriza o pensamento filosófico de Raul Leal é a sua procura de superação, de estilhaçamento, das categorias clássicas. Face à sua crítica radical, todo o edifício conceptual da filosofia, tal como historicamente se foi consolidando, parece, ainda que por um mero instante, desmoronar-se.

A essa luz, existe uma evidente afinidade entre Raul Leal e Nietzsche – pois, tal como o filósofo português, também o filósofo alemão procurou, como é sobejamente sabido, desmoronar todo a filosofia europeia – desde a sua origem grega, mais exactamente, socrática, mais exactamente ainda, platónico-aristotélica. Sendo que, se em Nietzsche esse gesto parece ter sido mais destrutivo do que (re)construtivo, em Raul Leal, na sua “excentricidade”, parece haver um maior desiderato de (re)construção.

Para o atestar, atentaremos aqui nalguns textos seus[1], de cariz mais filosófico-político, onde procuraremos igualmente salientar, conforme o antecipado, a sua extrema coerência. Com efeito, nos seus textos de cariz mais filosófico-político, Raul Leal não se limita a estilhaçar as categorias clássicas. No mesmo gesto – ou, mais exactamente, num gesto cumulativo (à maneira, dir-se-ia, de José Marinho…) –, Raul Leal propõe também uma “síntese”.

Por isso, ocioso será sempre procurar classificar Raul Leal à luz das categorias mais convencionais: terá sido um filósofo de “(extrema-)esquerda”?, de “(extrema-)“direita”? Na verdade “excêntrica” de Raul Leal, ele foi tudo isso – excepto, claro está, um filósofo “de centro” ou “centrista” –, sendo que nenhum desses qualificativos o caracteriza suficientemente, sequer de forma aproximada. Com muito mais razão poderia Raul Leal dizer o que Agostinho da Silva disse de si próprio: “A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo”[2].

Daí, em suma, essa sua procura de uma “síntese”, de uma, nas suas próprias palavras, “fusão absoluta integral – como ele próprio escreveu, a respeito do seu “Sindicalismo Personalista”: “É nesta ordem de ideias que o Sindicalismo Personalista é a fusão absoluta integral do individualismo, socialismo e corporativismo fascista levados ao seu extremo infinitizador”[3]. Acrescentando logo de seguida, a respeito do seu “Paracletianismo”: “e sendo o Paracletianismo, de certo modo, um vertiginificante Maniqueísmo Transcendental em que o Bem e o Mal se fundem um com o outro em extrema sublimação purificadora”.

A este respeito, atentemos, mais detidamente, num seu outro texto, intitulado “Domínio das Elites”[4], datado de Maio de 1961, um texto tão breve quanto elucidativo da “síntese” – ou da “fusão absoluta integral” - almejada por Raul Leal no plano filosófico-político. Neste, começa (à maneira, dir-se-ia, de Platão…) por defender que “a verdadeira igualdade consiste em se tratar desigualmente as pessoas colocadas em situações ‘naturalmente’ desiguais”. Como logo se seguida acrescenta: “Assim, os que são, por ‘natureza’, melhores nas ciências, nas artes, na política, na diplomacia, nas técnicas, no pensamento filosófico ou ético, enfim, na poesia, devem, segundo esse justo critério, ter na vida e na sociedade uma situação superior à dos que são menos dotados”.

Daí, como logo de seguida expressa, o seu assumido e eloquente elitismo: “…sustento a necessidade imperativa de se dar o domínio financeiro e social às várias elites ‘naturais’ da sociedade nos campos em que são mais capazes, domínio que deverá crescer com o desenvolvimento progressivo das aptidões pessoais dos indivíduos e colectividades./ São, pois, as elites, as ‘verdadeiras’ elites — não as artificiosamente fabricadas — que devem dominar duma forma ou de outra forma, em harmonia com as suas vocações, aliás possivelmente educáveis, mais do que se julga, e só esse domínio aristocratizante é racionalmente justo, equitativo (…)”.

Face a estas palavras, fará sentido perguntar se Raul Leal era afinal “democrata” ou “anti-democrata”? Decerto, ele considerava que sim: que era um “democrata”, por mais que formalmente “anti-democratas” sejam os seus argumentos. Como de seguida insiste, a respeito do seu conceito de “democracia aristocratizadora”: “Esse domínio dos ‘naturalmente’ melhores em qualquer campo da actividade humana é que, sem dúvida, se justifica poderosamente, e só ele será o legítimo fundamento das democracias que, quando pretensamente igualitárias, são uma autêntica aberração ‘contra natura’ (…) caso contrário, a injustiça será flagrante, passando os medíocres e inferiores a ter tanto poder como os superiores, como as elites, o que, decerto, não é democraticamente equitativo, não havendo o verdadeiro domínio do povo”.

Este – o “verdadeiro domínio do povo” – só existe, como logo de seguida aduz, “quando é distribuído pelos indivíduos que constituem esse povo, proporcionalmente ao seu valor pessoal, manifestado no seu trabalho e nas suas actividades. De outro modo, dominando os medíocres e inferiores tanto como os manifestamente superiores, estes não podem valorizar a sua acção convenientemente, visto ser então prejudicada pelo concorrente domínio imerecido dos outros, com evidente prejuízo da acção dominadora de todo o povo em geral que carece mais, evidentemente, para dominar, de acções superiores, amplamente expressas, do que das que são inferiores ou medíocres por natureza”. Em suma, se Raul Leal nos parece aduzir uma série de argumentos formalmente anti-democratas, tudo isso é em prol – reitera ele, convictamente – do “verdadeiro domínio do povo”.

Após uma série de outras considerações, de cariz mais circunstancial, que em nada infirmam, no essencial, a posição filosófico-política descrita, termina Raul Leal esse seu artigo desta forma: “É isso que o moço e inexperiente presidente Kennedy não quer ou não consegue ver…”. O mesmo “Kennedy” a quem – saliente-se – já havia endereçado um “Carta Aberta”[5], onde, remetendo para a sua obra Sindicalismo Personalista: Plano de Salvação do Mundo (1960), expressa uma “ardente apologia dos norte-americanos, considerando-os os precursores da minha teoria psico-social e psicoética que é a fusão integral, absoluta, do individualismo, do socialismo e do corporativismo fascista, levados ao seu extremo”, tudo isto perante, ainda nas suas palavras, “o colosso moscovita, ferozmente despótico, despersonalista e ateu”, assim retomando um outro artigo seu, ainda dos ano 20, intitulado “A criação do futuro: a organização bolchevista pelo fascismo através da acção norte-americana e sob o regime de uma monarquia libertária”[6].

Tudo isto nos pode parecer demasiado excêntrico – e de facto é. Mas o que está aqui desde logo em causa é, uma vez mais, o clássico abismo entre a teoria e a prática – que, pelo menos deste Platão, ensombra toda a filosofia política… Na teoria, tudo ou quase tudo pode fazer sentido – mesmo as posições mais excêntricas de Raul Leal. Na passagem para a prática há, porém, sempre ou quase sempre, um abismo que leva à desilusão, quando não mesmo à exasperação… A esse respeito, atentemos num outro texto seu, intitulado “O sentido esotérico da história”[7], onde, numa óbvia alusão a António de Oliveira Salazar, escreveu que “Portugal ainda Vive e guiado por um Homem, por um Predestinado cujo aparecimento eu pressagiei outrora quando, num artigo de jornal escrevi que após a reabilitadora Acção do Exército Libertador realmente surgiria decerto Alguém que progressivamente prepararia a Redenção da Pátria Portuguesa”.

Fatalmente, dir-se-ia, também esse entusiasmo oscilou no tempo. Numa outra Carta que escreveu – precisamente a António de Oliveira Salazar[8] – não esconde a sua decepção, falando até do “eclectismo comezinho de V. Ex.ª”: “É nesta ordem de ideias que o eclectismo comezinho de V. Ex.ª jamais poderia compreender o elevadíssimo alcance das minhas concepções profundamente construtivas e nunca improvisadas nem tão-pouco fantasias – sendo certo que todo o meu idealismo progressivamente espiritualizador tem uma base solidamente realista – as quais criarão o futuro, sublimando a Vida e engrandecendo a Humanidade”. Apesar dos seus oscilantes mas recorrentes elogios – sobretudo justificados pela posição do Estado Novo na defesa do Ultramar –, a prática política de Salazar teria que acabar sempre por parecer a Raul Leal de um “eclectismo comezinho”. Salazar, de facto, numa teorizou nem, muito menos, praticou uma “fusão absoluta integral do individualismo, socialismo e corporativismo fascista levados ao seu extremo infinitizador”. Resta saber o que poderia ser isso na prática. Nem Raul Leal – suspeitamos – o saberia.



[1] Todos eles coligidos na recente colectânea de textos de Raul Leal: Profética Lusíada: a idade paracletiana, org. de Manuel Gandra, Mafra, CESDIES, 2020 (doravante: PL).

[2] In “Cortina 1” (inédito).

[3] Cf. “A monadologia discriminatória de Fernando Pessoa”, in Diário da Manhã, 9 de Dezembro de 1961 (PL, p. 477).

[4] In O Debate, 3 de Junho de 1961 (PL, pp. 457-460).

[5] In O Debate, 8 de Abril de 1961 (PL, pp. 454-456).

[6] In Presença, nº 8, 1927, pp. 4-5 (PL, pp. 241-243).

[7] In Diário da Manhã, 28 de Maio de 1962 (PL, pp. 479-483). O mesmo artigo, com certas variantes, foi também publicado por O Debate (7 de Julho de 1962), com o título “Messianismo Lusitano”. Grande parte deste texto foi ainda incluído por António Quadros na sua obra A Teoria da História em Portugal —II - A Dinâmica da História (Lisboa, Espiral, 1968).

[8] In Jornal de Letras, nº 12, Agosto de 1981 (PL, pp. 307-309).

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