Decerto, o que mais caracteriza o
pensamento pós-moderno em relação a todo o pensamento precedente (não apenas
moderno) é a tendência para “desconstruir” (palavra-chave) tudo o que, século
após século, foi afirmado como regra, equiparando esta às suas excepções, assim
a dissolvendo. Não que os clássicos não tivessem consciência das (muitas)
excepções que, em todas as áreas, “confirmam a regra”. Mas, precisamente, as
excepções eram apenas isso – excepções. Que confirmavam a regra – não a desconstruíam.
Assim, por exemplo, quando o ser
humano foi classicamente definido como um “animal racional”, sempre houve a
consciência de que nem todos os seres humanos confirmavam inteiramente esta
regra. E mesmo aqueles que questionaram a racionalidade da maioria dos seres humanos
não renegaram, por isso, a definição – assim vista como um ideal antropológico
a atingir.
Mesmo no plano estritamente
biológico, o reconhecimento da constituição padrão do corpo humano nunca ignorou
as muitas excepções a essa mesma constituição. Na pós-modernidade, porém, tem-se
acentuado, cada vez mais, essa tendência para equiparar a regra com as suas
(muitas) excepções. E é por isso que, mesmo no estrito plano físico, a palavra
“deficiência” se tornou maldita. Porque, obviamente, a palavra em causa ecoa a
referência a uma regra, a um padrão. Em nome da não estigmatização das
excepções (por regra, minoritárias), tem-se assim procurado desconstruir todos
os padrões.
Eis o que tem sido ainda mais evidente no campo dos comportamentos – em particular, na área da sexualidade. Assim, a afirmação da heterossexualidade como o comportamento sexual padrão da humanidade nunca se fez na ignorância de outros comportamentos, desde sempre conhecidos. Simplesmente, esses outros comportamentos eram apenas isso: excepções que confirmavam a regra. Hoje, cada vez mais, também isso se procura desconstruir, desde logo a distinção elementar homem-mulher, alegadamente em nome de uma consciência “não binária” da espécie humana.
Por isso, em tempos de pandemia, quando a Direcção Geral de Saúde decretou normas tendo em conta essa distinção elementar, nomeadamente quanto à vacinação, logo mil e uma vozes se levantaram: e então os outros? E então, em particular, os trans-sexuais e os inter-sexo? Já, porém, nenhum clamor se ouviu a respeito das recentes declarações do nosso Ministro da Defesa sobre a evacuação de algumas famílias afegãs para Portugal: quanto a essas famílias, os homens – como disse expressamente – teriam que escolher apenas uma das suas mulheres, deixando as outras para trás. Caso para perguntar: e então as outras, senhores?
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