Daí o
desvincular a filosofia da verdade, ao dizer-nos que “toda a filosofia, como o
termo que a designa, marca a distância para com a verdade autêntica”, que “a
verdade não é nem pertença da filosofia nem dos filósofos”, ou que “toda a
verdade estritamente filosófica é suspeita”. Quanto muito, ainda nas palavras
de José Marinho, “abre ela o caminho para a sabedoria”. Daí, aliás, todo o
sentido de caminho, de viagem, por Marinho tão valorizado.
A própria
filosofia constitui-se para o nosso pensador como um caminho – como o “caminho
fora do claro ver meridiano”, como o “caminho da sombra” –, como uma viagem –
como a “viagem que o amor da verdade determina no homem que se não quer
iludir”, como a “viagem entre o Nada e a plenitude”, como a “grande viagem do
espírito”. Ainda nas suas palavras, é essa a “viagem autêntica”: “...a viagem
autêntica é a viagem em profundidade, a viagem do espírito, o proceder, o
seguir do espírito para a própria intimidade e para o ser íntimo. Não é a
viagem com que se apreende e forma o exterior, mas o interior.”.
E por isso
definiu ainda, José Marinho, a sua Teoria
do Ser e da Verdade como essa “longa viagem, mas viagem insituada”, como
essa “imensa ou intérmina viagem”, como essa “subtil viagem, não apenas da vida
inteira mas de cada instante do viver”, como essa “mais insólita viagem”, “na
qual nasce o próprio viajante”, como essa “simbólica viagem pelas quase
desertas regiões onde não há estradas, nem sequer veredas abertas, que de novo
se não cerrem na densa floresta do ser atrás do solitário viandante”, como essa
“viagem pelo mar imenso do ser que se não sente nem se vê, nem é já e ainda não
para nenhum ser”, como essa “viagem entre o espírito que tudo cinde e tudo une,
entre todo o demoníaco e todo o divino”.
Contrapõe José Marinho esse “caminho fora do claro ver meridiano”, esse “caminho da sombra”, ao “caminho do sol”, ao “caminho do homem”. E por isso nos dirá que esta “viagem” não é a “viagem do homem” mas do “espírito”, dado que só assim, por via do “espírito”, será possível aceder-se à “verdade”, ao próprio “ser absoluto ou Deus”. Porque o “espírito” não é no homem, ainda nas palavras de Marinho, “um ser que se acrescenta ao ser, mas sim a maneira como o ser do homem eminentemente é” – o seu “autêntico ser”, como, desde logo, nos havia já dito num dos seus Aforismos sobre o que mais importa –, esta é pois a “viagem” através da qual o próprio homem, cada um de nós, se cumpre. E por isso diremos que esta não é apenas uma viagem sófica mas também, sobretudo, ontológica – porque só se cumprindo enquanto ser poderá ele cumprir o próprio “saber da verdade”, cais último da filosofia enquanto “viagem”.
Nesse estádio,
contudo, a filosofia não é já filosofia mas sim “metafísica” – conforme a distinção
por si proposta, sobretudo na sua inacabada obra Significado e Valor da Metafísica. Daí a sua definição de filosofia
como “propedêutica da metafísica ou metafísica inconsciente de si”, daí,
inversamente, a sua definição de metafísica como “filosofia no seu pleno
sentido”, como “conhecimento da verdade que é essencialmente independente da
apreensão que o homem faz dela, do bem independentemente da sua humana
realização”, daí ainda, a título de exemplo, estas suas palavras: “A filosofia
é propedêutica do conhecimento e a metafísica conhecimento, a filosofia é
procura da verdade e a metafísica sua concepção e expressão.”; “…conhecer o que
na verdade é, independentemente da divergência entre o que está neste ou
naquele, o que está aqui ou ali, o que foi, o que será e o que está sendo. Este
propósito é o da metafísica.”. Na medida em que, contudo, a metafísica visa
“não só e apenas o que está para além do físico, mas antes e primordialmente o
que lhe é íntimo e nele se supõe”, ela acaba por se interessar em “saber o que
é o homem não só enquanto espírito, mas enquanto existência também”.
Noutras passagens, porém, defende José Marinho que há ainda algo que, em última instância, supera a metafísica. Eis o que designa por “santa-sagesse” – nas suas palavras, constitui-se esta como a “forma suprema da metafísica”, dado que não se cumpre apenas como o “conhecimento do absoluto”, mas como o próprio “conhecimento absoluto”. Tal a subtil, a abissal diferença que Marinho, de forma tão sucinta quanto suficiente, esclareceu quando, numa carta a Álvaro Ribeiro, afirmou que “o génio compreende e o santo é”. Eis, com efeito, toda a diferença entre o “conhecimento do absoluto” e o “conhecimento absoluto” – enquanto que no primeiro há ainda lugar para a distinção entre sujeito e objecto, ainda que este seja o próprio absoluto, no segundo não há já lugar para essa distinção, na medida em que aí o sujeito é o próprio objecto. Daí ainda, aliás, para Marinho, o nosso destino, mais amplamente, o destino, o fim, de toda a existência: “Não está esse fim [de toda a existência] em ser como Deus, ou um deus entre deuses, mas em ser o próprio Deus. Pois só Deus é verdade, e, da mesma forma que o olho se torna visão e a visão luz, assim o pensamento se torna conhecimento e o conhecimento se torna plenamente a verdade que era para ele de início um objecto posto fora, para além.”.
Para o
Colóquio “Os Caminhos do Caminho” (23 de Julho, Faculdade
de Letras da Universidade do Porto).
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