Uma petição intitulada “Português para todos” e que reuniu 4476 assinaturas em 49 países, foi apresentada no passado dia 18 de março aos Deputados da Comissão dos Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas pelo Conselheiro das Comunidades Portuguesas, Pedro Rupio. Dentre as várias reivindicações que contém a petição a propósito do Ensino do Português no Estrangeiro, gostaria de exprimir a minha opinião sobre a questão do Português Língua Materna ou Português Língua Estrangeira.
Antes, todavia, um pormenor: não tenho a cidadania portuguesa, não sou lusodescendente e não pretendo ingerir-me em certos pontos desta petição, mas fui professor de português e convivo há longos anos com a Comunidade portuguesa de França. Por isso, a questão do ensino do português como língua materna ou como língua estrangeira interessa-me bastante.
Não concordo com os subscritores da petição quando defendem a “adoção de políticas para o Ensino do Português no Estrangeiro, nos ensinos básico e secundário, que saibam distinguir o ensino de português como língua estrangeira do ensino de português como língua materna, que valorizamos particularmente”. Saber se hoje, em França, a língua portuguesa deve ser ensinada como língua materna ou como língua estrangeira é, ao meu ver, um falso problema que não corresponde à realidade no terreno, tão diversas são as situações de expressão e de compreensão dos alunos em português.
Encarar a situação desta maneira é como se ainda estivéssemos nos anos 60-70.
Com efeito, nos anos 70, o ensino do português foi introduzido no Primário através dos cursos ELCO (Enseignements de Langue et Culture d’Origine), e neste caso sim, podíamos falar de ensino de uma língua materna, pois as turmas eram constituídas exclusivamente por alunos de origem portuguesa, os chamados de “segunda geração”.
Atualmente, como sabemos, a situação é bem diferente, tanto do ponto de vista demográfico quanto do ponto de vista linguístico. Uma esmagadora maioria dos alunos de origem portuguesa tem como língua “materna”, ou língua corrente, a língua francesa. Os cursos de português para os alunos do 1°ciclo são dispensados através da estrutura EILE (Enseignements Internationaux de Langues Étrangères), com professores contratados pelos dois países, Portugal e França, e com programas e avaliações decididos em comissões paritárias franco-portuguesas. São cursos que funcionam em horário pós-letivo nas escolas do ensino básico francesas, abertos a todos os alunos, independentemente da sua origem.
Ao lado deste ensino também há os ELVE (Enseignement de Langue Vivante Étrangère), que são os cursos de português integrados no currículo escolar do aluno do 1° ciclo.
Nos collèges e lycées o ensino do português é da responsabilidade do Ministério da Educação francês e é integrado igualmente no curriculo escolar do aluno. Quanto às Secções internacionais portuguesas, o dispositivo é proposto pelo sistema educativo francês e apoiado pelo governo português. Também nestes níveis de ensino, nenhuma distinção entre língua materna e língua estrangeira é feita, apesar de haver numa mesma turma alunos de diversas origens. É o caso, por exemplo, em muitos estabelecimentos secundários, principalmente nas Secções internacionais, onde constatamos a presença de filhos de emigrantes portuguesas que chegaram em França nestes últimos 10 ou 15 anos.
Quanto ao ensino associativo, o Camões I.P. coloca professores em associações para lecionar cursos de português em localidades onde não há aulas nos collèges e lycées. Os programas lecionados nestes cursos seguem o quadro europeu comum de referência para as línguas (CECRL).
Também não concordo quando se afirma que nas aulas de Português Língua Estrangeira não existe a vertente cultural (literatura, arte, história, geografia, etc.). De passagem, lembremos que a designação “langue vivante étrangère” é utilizada no sistema educativo francês apenas para distinguir o ensino das línguas estrangeiras (todas, desde o inglês até ao chinês, passando pelo português, etc.) do ensino do francês. Em todas as aulas de português, do Primário até ao fim do Secundário, o professor tem a obrigação de abordar os temas culturais, obedecendo assim aos programas oficiais.
O ensino de uma língua na escola, seja qual for e para quem for, é inconcebível sem a componente cultural.
Cito algumas passagens das instruções oficiais dadas ao professor (site Eduscol do Ministério da Educação francês): “Communication et culture sont deux aspects interdépendants de la langue, et l’approche communicative n’a de sens qu’à condition d’être étroitement liée à un contenu culturel réel. (…) Le professeur rendra la culture accessible dès le plus jeune âge de l’élève par l’introduction de poèmes, de chansons, de récits ou de légendes adaptés à son âge, par l’observation de tableaux ou la découverte de documents vidéo”. É evidente que, pedagogicamente, o professor de português procura sempre um equilíbrio e adapta o seu ensino em função do nível, da composição e da heterogeneidade ou não da turma de alunos a quem se dirige.
Acho perfeitamente legítimo que as famílias portuguesas queiram que os filhos mantenham laços linguísticos e culturais com o seu país de origem. No entanto, na minha opinião, pensar e isolar o ensino do português como língua materna é, por um lado, condenar este ensino a um impasse e, por outro lado, é perder uma formidável oportunidade de promover a língua portuguesa no seio da escola francesa.
Se quisermos que esta língua tenha o espaço que merece no ensino público francês, com um estatuto durável, teremos que unir as nossas forças e ultrapassar certas posições partidárias ou corporativistas que, por vezes, utilizam a problemática do ensino do português para justificar os seus próprios interesses. O importante é que as instituições respondam positivamente aos pedidos de abertura de aulas e que os alunos, do Primário até ao fim do Secundário, possam aprender a língua portuguesa em boas condições, com professores bem formados. Dominique Stoenesco – França in “LusoJornal”
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