Os
portugueses entendem que os 80 a 90 mil milhões de euros de que a Europa
precisará para amenizar as circunstâncias provocadas pelo Covid19 terão de ser
obtidos financeiramente com reformulação relativamente às dívidas já
existentes, seja através da mutualização da dívida, por eurobonds, ou por outro mecanismo qualquer, desde que o reembolso
dos empréstimos anteriormente tomados não se venham a somar cumulativamente a
esta nossa realidade da dívida, tornando impossível cobrir os gastos correntes
dos juros com mais receitas fiscais.
O Ministro das
Finanças e o Primeiro-Ministro preocuparam-se em pagar as dívidas de juro mais
elevado com dívidas de juro menos elevado. Todavia, a dívida aumentou. Não
questionamos, aqui, porque aumentou a dívida, mas que aumentou é facto. Se a
cura para mais dívida é ainda mais dívida, mesmo com preços favoráveis, tal não
passaria de maior dívida acumulada e de menor índice de segurança económica e
financeira para o País, o que nos atrapalharia até ao momento em que pudéssemos
pagar aos credores, de modo estável com os recursos internos, mercado interno e
exportações, o que sempre levaria muitas décadas a realizar. Continuaríamos com
o ascensor social invertido, os filhos a ganharem cada vez menos do que os
pais, mesmo com idêntica ou maior instrução formal. O nosso elevador social não
está apenas avariado como “repete”, e bem, o historiador José Pacheco Pereira;
o elevador está, em nosso entender, em movimento descendente - aumentem-se 10
ou 5 euros as pensões, atualizem-se ou não salários…
Alguns dos mais
fortes credores de Portugal são europeus, são países da área do euro, e que,
sem coesão ou mutualização perante as novas dívidas devido ao Covid19, só
poderão adiar e dilatar um problema gigantesco, num desfinanciamento, numa
massa de investimentos sem hipóteses de incentivar a economia a crescer de
modo sustentável e, sobretudo, onde se poderão efetivamente criar mais
empregos, pela renovação nas novas Economias Azul e Verde. Não nos faltam
tecnologia e aplicações, falta-nos decisão política, “aparato” legal e talvez
mesmo uma burocracia ad hoc.
Falta-nos, pois, trabalho político. E não vemos isso em nenhum lugar da
barricada, como tão bem explicita a análise de Gonçalo Magalhães Collaço, na
obra que acaba de ser impressa pela Editora Naútica Nacional «O Mar. Exaltação
de Portugal».
As mudanças não
acontecem de um dia para o outro, antes requerem pelo menos um ciclo político
de dez anos. Como os salários aumentaram seis vezes mais rapidamente que a
produtividade na última década, os custos de mão-de-obra, altos apenas para a
produtividade atual (mas não altos para manter a mínima dignidade das condições
de vida das pessoas e famílias na UE) fazem com que a regra geral da pequena
escala de nossa indústria seja, a curto prazo, a falência. Resultando na
difícil integração no mercado global dos produtos portugueses, por não haver
escala e quantidade suficiente na sofisticação (I&D).
O Banco Central
Europeu, que responde a preocupações como a inflação, para manter um euro
forte, parece agora ter em consideração a necessidade de estímulo à economia,
contudo, não poderá aumentar as taxas de juro – no interesse de todos os
membros. Tampouco interessará ao BCE discriminar positivamente as democracias
liberais e aqueles que melhor credibilidade têm internacionalmente em todos os
domínios como é o caso de Portugal.
Um aumento na taxa
de juros é a última coisa necessária para as economias com um sistema de
problemas, uma problemática...não apenas a portuguesa. Mas muitos não desejam
assumir que, cada um dos 27 países, poderia confortavelmente convergir numa
taxa de juro única. E, sem isto, a eurocracia vence a coesão e até as
democracias nacionais. As consequências já se fazem sentir com os fortes
movimentos de extrema-direita e de extrema esquerda a crescer e a dominar
muitos aspetos do Legislativo e Executivo. O absurdo começa a entrever-se em
vários aspectos das decisões europeias. E parece-me que ainda não há
consciência das nefastas consequências, especialmente a longo prazo, disto. A anarquia
vem aproximando-se cada vez mais. Leia-se o última obra de Soromenho-Marques «A
Queda da Europa».
Mais dívidas, taxas
de juros mais altas, política fiscal ainda mais rígida, será uma combinação que
não produzirá nada, a não ser alguma rápida recuperação económica, retórica.
Reestruturações
brutais à vista (absurdas como em caso nacional com a TAP?) são
displicências... sem estratégia holisticamente desenhada, talvez derrubando
mais bancos ainda sub-capitalizados, cujo fundo de coesão bancária é pouco mais
que fictício, por ser, além de minúsculo, apenas um empréstimo do próprio
Estado...
As dores que vêm
chegando estão sem estratégia e muito menos sem algum final à vista.
Obviamente, não se pretende uma volta ao escudo e o consequente baixar durante
uma década muito significativamente o poder de compra e, a curto prazo, a
competitividade portuguesa. Ninguém
pretenderá tal de ânimo leve. Mas a hipótese corrente é a estagnação por
décadas sem final.
A falta de coesão
europeia continua permanentemente a repetir erros políticos clamorosos. Os que
se dedicam a incensar o euro e o projeto europeu preferem manter a ficção de
que Portugal está sofrendo uma crise de liquidez temporária, e que a UE, o que
precisa fazer é passar por cima de um pequeno espaço-tempo. Infelizmente, para
esses mais otimistas, mais cedo ou mais tarde a realidade morde e morde com
força.
Os líderes da zona
euro não admitem, têm outra argumentação, que estão administrando um sindicato
de transferências, em que mais um pouco de “ajuda” para os amigos é a
característica permanente. Ajuda essa que sempre tem resultado em lucro para
outros. Fazer com que os Estados, hoje em maior dificuldade, se preparem para
viver mais solitariamente, e que concordem com essa “ajuda”, fará com que os mercados
de crédito duvidem de sua sustentabilidade. Os juros voltarão a subir, a
austeridade volta outra vez em força – os pequenos orgulhos ou teimosias
pagam-se caro, sejam os de Passos Coelho, sejam os de António Costa.
A zona do euro não é
nem tem a incumbência de ser uma união de transferências. Mas isso foi e é
agora. Todavia, os formuladores de políticas para a zona do euro nunca foram
delicados ao adotar as suas abordagens aos problemas como em 2008. Não nos
preocupamos demasiadamente com questões como o déficit democrático, pois o
Conselho é um órgão donde esse contrapeso democrático se impõe, quando se pode
impor… tal não é a discrepância de poderes de influência entre os países
membros. Alguns dependem em quase 50% dos outros para suas exportações. As
exportações da França e do RU para a China correspondem a 7,5% e a 5,6% de seus
respectivos PIB, e estarão a pensar numa reestruturação com a China e, ao mesmo
tempo, na reestruturação de uma NATO Global com todas as democracias liberais,
como propôs o Senador McCain dos EUA há cerca de uma década. Imagine-se agora a
amplitude de soberania ao depender-se em cerca de 50% das exportações para um
outro país dentro da zona euro. O absurdo também aqui espreita. Já se pode
elaborar uma lista de absurdos que se vão acumulando pelo menos a cada
trimestre.
Os portugueses têm,
assim, várias escolhas. Primeira opção: a menos que um sindicato de
transferências seja estabelecido, em condições de decência moral, sim, de
decência, pode ser que se entre novamente de acordo em que os contribuintes,
trabalhadores, pequenos comerciantes, detentores de hipotecas, e outros,
arcarão com o custo das dívidas realizadas, mas talvez como antes, com riscos
mal avaliados a bem dos credores, escolhendo uma dívida eterna que nos apoucará
durante todo este século. Segunda opção: desafiar os europeus, todos, à coesão
social. Terceira opção: começar a escrever num quadro fora do euro – nos
vectores de compensação, como está já acontecendo claramente com vários países
a começar pela vizinha Espanha e pela Itália. Claro que a consumarem-se os
vectores de compensação fora do espaço euro, põe-se uma saída cordial do euro,
mas tal só virá depois de permanecermos com o elevador social em movimento
descendente (oportunidades em diminuendo) durante mais alguma década, como se
tem vindo a verificar na última década.
Pedro
F. Correia
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