Portugal não é um país
(especialmente) racista – desde logo, no âmbito europeu (e só quem não conhece
minimamente a Europa pode considerar o contrário) – mas há gente empenhada em
alterar essa situação. Se a extrema-direita racista tipicamente europeia nunca
germinou de forma significativa entre nós, eis que agora aparece, de forma cada
vez mais visível, uma extrema-esquerda apostada em criar um clima social
favorável a essa germinação. Paradoxalmente, partem, ambos os extremos, da
mesma premissa: “o luso-tropicalismo é uma treta” (para a extrema-direita, o
paradigma sempre deveria ter sido o do Apartheid;
para a extrema-esquerda, esse sempre foi o paradigma). Sendo, a miscigenação, a
prova do crime: para a extrema-direita, a prova da nossa fraqueza; para a
extrema-esquerda, a prova da nossa violência.
Passando por cima das
caricaturas recorrentes sobre o “luso-tropicalismo” (não é esse aqui o tema),
mas sinalizando apenas que Gilberto Freyre em momento algum escamoteou as
tensões de toda a ordem (desde logo, de ordem racial) que existiram durante a
colonização portuguesa, a divergência está mesmo no paradigma: os nossos
extremos não querem de todo uma sã convivência multirracial. Não por acaso, alguns
daqueles que agora aparecem a justificar actos de violência pública estiveram
envolvidos nesse gesto tão simbólico (e “progressista”) que foi a tentativa de
remoção da estátua do Padre António Vieira em Lisboa. A agenda, não o
parecendo, é a mesma: do que se trata é de criar uma consciência complexada
relativamente a todo o nosso passado, do que se trata, em suma, é de criar um
sentimento de culpa. Assim, a nova “narrativa” passa por defender que os
portugueses “inventaram a escravatura” e estiveram em todo o mundo apenas para
“escravizar, explorar e destruir”. E que, hoje, devem pagar por todos os seus
alegados “pecados”.
Sim, temos por certo “pecados” a expiar – desde logo,
por não termos ainda conseguido integrar devidamente alguns núcleos populacionais,
sobretudo tendo em conta o legítimo aumento de expectativas após uma transição
geracional. A primeira geração, que emigrou de África para cá, estava disposta
a aguentar tudo, como, de resto, os emigrantes portugueses tudo aguentaram nos
“bidonvilles”. A segunda geração, que já cá nasceu e é legitimamente portuguesa,
tem, como não poderia deixar de ser, outras expectativas. Mas isso não pode
passar por atirar pedras à polícia ou incendiar carros na via pública, como a
nossa extrema-esquerda não esconde desejar. Passa antes por intervir cívica e
politicamente, reclamando melhores condições de vida, mas no respeito pelo
Estado de Direito. Atirar pedras à polícia e/ou incendiar carros na via pública
só agrava o “gueto” existente. Lamentavelmente, é mesmo isso que, de forma
consciente ou não, os nossos extremos se arriscam a fazer.
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