Para nós, o mar é muito mais
do que uma questão geográfica – ou até geoeconómica ou mesmo geopolítica.
Havendo também nesses planos muito a fazer, em desejável convergência com os
restantes países e regiões do espaço lusófono, quero porém aqui salientar a
relação cultural – direi até civilizacional – entre a Lusofonia e o Mar.
Com efeito, se à Lusofonia,
como a qualquer outra língua, subjaz uma forma singular de ver e viver o mundo,
então diremos que o viver do mundo de forma lusófona tem muito a ver com o Mar.
E não apenas nem sobretudo, uma vez mais, por razões geográficas.
Não decorre isso tanto da
nossa língua como, sobretudo, da nossa história. Foi e é a experiência
histórica da Lusofonia o que nos leva a dizer isso: que o viver do mundo de
forma lusófona tem muito a ver com o Mar. Porquê? Porque, a nosso ver, há uma
dimensão mais marítima, mais fluída, mais plástica na nossa convivência
histórica, desde lodo em comparação com outras histórias europeias.
Falemos, como será inevitável,
do nosso império ultramarino. Decerto, não irei dizer que não houve aí uma
experiência de colonização e de violência – como se fosse possível haver colonizações
não violentas. No entanto, comparativamente, a nossa experiência foi muito mais
marítima, mais fluída, mais plástica – e, por isso, mais dada à mistura, à
mestiçagem, à partilha.
Mesmo no plano religioso, por
exemplo, a forma como os “deuses” africanos sobreviveram na cultura lusófona
brasileira, ainda que sob o manto de um catolicismo oficial, denota bem essa
propensão – ou maior disponibilidade – para a mistura, para a mestiçagem, para
a partilha. Por isso, num texto sugestivamente intitulado “Presença de
Portugal”, que corresponde a uma palestra feita a um grupo de amigos, em Maio
de 1962, na cidade do Rio de Janeiro, aludiu Agostinho da Silva ao que “no
tempo e no espaço, podemos chamar a área de Cultura Portuguesa, a pátria
ecuménica da nossa língua”.
Mas haverá já uma Pátria
Lusófona? Sabemos que não. Num outro texto (“Proposição”), datado de 1974,
falou ainda Agostinho da Silva de um “Povo não realizado que actualmente habita
Portugal, a Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, o Brasil, Angola,
Moçambique, Macau, Timor, e vive, como emigrante ou exilado, da Rússia ao
Chile, do Canadá à Austrália”. De um povo ainda não realizado –
acrescentaríamos apenas. Por isso, dizemos que esse povo está ainda em gestação
– do mesmo modo que essa Pátria. Mas há já uma longa experiência histórica
comum, base de uma cultura necessariamente mais mestiça, plural e polifónica. E
por isso também marítima.
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