Realidade histórica - Quando, em 1580, houve a união da coroa
ibérica numa só cabeça, a ação dos corsários em Cabo Verde ganhou novo fôlego,
já que a unificação ibérica legitimava os ataques pelos corsários que invocavam
que os seus não se subordinavam ao Papado de Roma para desse modo porem em
causa o Tratado de Tordesilhas, que repartia o mundo “descoberto” por Portugal
e Espanha. Se até então os ataques corsários eram esporádicos, a partir dessa
data tornaram-se sistemáticos, obrigando o Reinado a profundas reformas
militares e levando à decadência e destruição da que foi uma riquíssima
metrópole, Ribeira Grande.
Com efeito, a ação dos corsários,
em termos históricos, teve particular incidência nas águas de Cabo Verde nos
sécs. XVI e XVII – muito mais do que se verificou nas Caraíbas (Tortuga) – pois
era pelo arquipélago cabo-verdiano que então passava o grande comércio que rumava
tanto para as Américas, como para a Índia, a África e a Europa. Eram esses
barcos que atraíam a guerra de corso e Cabo Verde era, por essa época, uma
encruzilhada a ter bem presente.
Criou-se despropositadamente a
fama das Caraíbas por ação do imaginário hollywoodesco, com utilização de diversos
recursos, como seja o cinema, a novela e a BD. Deste modo, aquilo que era
historicamente falso, tornou-se uma “realidade” – exemplo de que uma mentira
insistentemente repetida se converte em verdade.
Um dos primeiros ataques,
conduzido por Serradas, até foi desencadeado pelos portugueses, partidários do
Prior do Crato e que portanto disputavam o trono aos Felipes – em 1582.
Verificou-se, em consequência, uma aliança entre as pretensões do Prior do
Crato (com base na Ilha Terceira, Açores) com os ingleses, inimigos dos
Felipes, que - por intermédio de Francis Drake - atacaram as ilhas de Santiago
e do Fogo. No entanto, Drake foi atraído para os mares de Cabo Verde por seu
primo (um dos fundadores da frota que derrotou a Invencível Armada), Sir
Hawkins.
Foi a ação de corso, que se
tornou verdadeiro bloqueio dos principais portos das ilhas, que determinou as
grandes de defesa do arquipélago e determinou (em grande parte) a sua
decadência, a par da deterioração do comércio nas costas da Mina e da Malagueta
e nos Rios da Guiné – desencadeada muito por conveniência dos “levantados” e
dos chamados cristãos-novos. Ingleses, franceses, portugueses, holandeses,
dinamarqueses e até turcos participaram muito ativamente nesta guerra de corso.
A importância da ilha do Maio e a defesa de Ribeira Grande –
Estrategicamente, a ilha de Maio servia de base para a ação corsária. Chegaram
a contar-se aí (há documentos históricos ilustrativos) 56 velas! Buscavam
aguada em Maio, além do sal abundante (chegou a pensar-se em entulhar as suas
salinas para dificultar o corso), o madeirame e a carne de reses deixadas ao
abandono – é essa a origem da iguaria gastronómica típica, txacina. A falta de proteção militar (o seu forte surgiu muito mais
tarde), a pouca população, beneficiaram o corso, dando origem ao nome da sua
principal localidade: Porto Inglês. Por outro lado, a grande proximidade de
Santiago em muito contribuía para fazer de Maio a grande retaguarda (que S.
Vicente e Sal também foram, mas em muito menor escala) dos corsários.
Foi no reinado de Felipe II de
Espanha que se realizaram grandes obras de defesa de Ribeira Grande: devido a
estudos de Diego Flores de Valdez, um importante militar gaditano, avançou-se
para a construção da imponente Fortaleza Real de S. Felipe, rodeada de um
conjunto de fortins e baluartes, enquanto se implantavam facheiros (Monte
Facho) que estabeleciam um sistema de avisos Maio-Praia-Cidade Velha-Fogo. Ao
mesmo tempo, reorganizou-se por um sistema de milícias toda a defesa da ilha de
Santiago – este complexo defensivo decaiu nos últimos 30 anos de poder
filipino, em particular no reinado de Felipe IV de Espanha.
As defesas terrestres levaram a
que os corsários, agora ao alcance das colombinas e dor berços (peças de
artilharia para o tempo muito avançadas e que obrigaram à utilização de
bombardeiros italianos, considerados especialistas nesta artilharia), passassem
da pilhagem de barcos feita nos portos para os ataques terrestres para
silenciar a Fortaleza. Os desembarques eram especialmente efetuados na Praia e
em S. Martinho, percorrendo as hostes a pé a distância que daí mediava para
Ribeira Grande. Mudou, portanto, a natureza das operações militares.
Ataques a Ribeira Grande – Só no período que vai de 1583 a 1598
(quinze anos), a ilha de Santiago foi por cinco vezes atacada em terra pelos
corsários. Em fins do séc. XVI a importância de Ribeira Grande e de Cabo Verde
soçobrara por completo, com as populações totalmente quase desarmadas a
refugiarem-se no interior das ilhas e a voltarem-se para a agricultura. Pode
considerar-se que Jaques Cassard, corsário de Nantes, desencadeou o último
ataque a Ribeira Grande, já à revelia da coroa francesa, tendo em conta as
vicissitudes viveu (na prisão) em França. De facto, a pobreza das ilhas
cabo-verdianas, que já não dominavam sobre o comércio de África nem os Rios da
Guiné, não podia já atrair os ataques de corsários.
Proposta – Assim sendo, tendo em conta os interesses da Cultura e o
muito proveito que disso pode resultar em termos de Turismo, proponho o
seguinte:
·
- apoio, direto e indireto, a todas as iniciativas
(filmes, BD, novelas, etc.) que ajudem a criar um imaginário propenso a chamar
para Cabo Verde a prioridade da ação corsária. Ainda que os meios disponíveis
sejam escassos, deve alimentar-se esta fama, uma vez que ela necessariamente se
repercutirá no Turismo.
·
- forjar todos os anos (à semelhança do que
acontece em Portugal com a batalha do Buçaco) a reconstituição das grandes
operações militares, associando numa primeira fase os Municípios da Ribeira
Grande de Santiago, da Praia e do Maio (base dos corsários), e simulando – com
recurso a equipamento (fardas) e armas (piques, arcabuzes, canhões e cavalos)
da época - os ataques a Praia e S. Martinho Grande, avanço por terra até
Fortaleza Real de S. Felipe. Apelar à colaboração ativa das Forças Militares
(Ministério da Defesa) e do Ministério da Cultura (IIPC). Posteriormente, numa
segunda fase, interessar a participação de veleiros estrangeiros (ingleses,
portugueses e espanhóis, sobretudo) nestas reconstituições – que por certo
serão chamariz internacional.
·
- incentivar a realização, pelo menos uma vez por
ano, da “noite dos piratas”, espécie de baile de máscaras, a realizar em Cidade
Velha.
·
- trabalhar na recuperação do conjunto de
baluartes que integram o conjunto de defesa de Cidade Velha, transformando-os
em lugares atraentes (miradouros, lugares onde os turistas se acantonem).
·
- reavivar, pelos meios possíveis, a importância
histórica de Francis Drake, exaltando-o mais que um simples corsário: lembrar
que ele foi um dos fundadores (com Sir Hawkins) da frota que derrotou a
Invencível Armada, foi mayor de Playmouth, foi
(depois de Fernão de Magalhães/Sebastian del Cano) o segundo homem a
executar a circum-navegação do Mundo, precisamente partindo de Cabo Verde.
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