Que tem Goa, que magoa
meu coração português?...
(– Índia sonhada em Lisboa,
diz-me segredos de Goa,
diz-mos baixinho de vez...)
Que tem Goa, que destoa
do mundo que à volta sei?...
(– Índia das noites à toa,
canta-me a voz do Pessoa,
conta-me a volta do Rei...)
Que tem Goa, qu'inda ecoa
nas águas mortas do mar?
(– Índia, vem... moro em Lisboa...
deixei meus barcos em Goa,
preciso de navegar...)
Casimiro Ceivães, in Revista NOVA ÁGUIA, nº 2
(2ª semestre de 2008)
Foi decerto um regresso, ainda
que nunca lá tivéssemos estado. Olhando, porém, para os monumentos, sobretudo
em “Goa Velha”, para o bairro tão típico das “Fontainhas”, em Pangim, para os
nomes das ruas, das próprias pessoas, foi decerto um regresso. Um regresso,
decerto, agridoce. Essa memória histórica está a apagar-se progressivamente e,
se se mantiver esta inércia e esta erosão, daqui a poucas décadas já quase nada
restará. Sendo que já não resta muito.
Seria fácil apontar o dedo a
Portugal e aos restantes países lusófonos mas, neste caso, é a própria Índia a
principal responsável. Mais de meio século após a anexação, a Índia continua a
querer “indianizar” Goa, não percebendo que seria do seu próprio interesse que
Goa mantivesse a sua relativa singularidade, tal como a China já percebeu há
muito no caso de Macau, ainda que por meras razões económicas.
Assim, enquanto a China
promove o ensino da língua portuguesa e faz de Macau um canal de comunicação e
comércio com o espaço lusófono, em Goa desincentiva-se o ensino da língua portuguesa.
Segundo os “media” locais, conforme pudemos testemunhar, só os “velhos” (ou os
“saudosistas”, para não dizer pior) insistem em aprender a nossa língua. O que
é falso. Vimos dezenas de jovens em aulas de português. Se não fosse este
ambiente adverso, difundido pelas próprias autoridades indianas, essas dezenas
seriam decerto centenas, senão milhares.
O que torna a situação mais
absurda é o facto de, neste caso, a Índia estar a lutar contra si própria. Mais
de meio século após a anexação, não há ninguém em Portugal que, seriamente,
pretenda questionar o estatuto de Goa. Enquanto houver Índia, Goa fará pois
parte da Índia. Neste caso, a história é absolutamente irreversível e é mais do
que tempo da Índia perceber isso. Sendo que os fantasmas indianos não têm a ver
apenas com Portugal. É ainda sobretudo o trauma da cisão do Paquistão que leva
a Índia a querer “indianizar” o mais possível todo o território.
As posições públicas do
Primeiro-Ministro da União Indiana, Narendra Modi, são a esse respeito preocupantes.
Há um assumido propósito de fazer do hinduísmo a única religião de referência
do país, tornando assim “estrangeiros” os católicos e os muçulmanos. Mas se
quanto à ultra-minoria católica (não chega a 2%) Narendra Modi sabe que nada
deve temer, já quanto aos muçulmanos, que são cerca um terço da população, a
situação é muito diferente. Decerto, eles não ficarão calados nem quietos. A
Índia é também o país deles. E eles – penso, em particular, num muçulmano goês,
que fala razoavelmente bem a nossa língua (e que até partilha connosco as
mesmas cores clubísticas) – têm decerto o direito a continuar a viver na Índia.
Entretanto, há uma série de
comunidades em Goa que se sentem igualmente ameaçadas. Falo, com conhecimento
de causa, de uma série de comunidades do interior de Goa que durante séculos se
dedicaram à agricultura e à pecuária, cuja autoridade sobre as suas terras foi
reconhecida pelo Estado Português (oficiosa e depois oficialmente através de um
“Código das Comunidades”, datado de 1904 e reiteradamente confirmado em 1933 e
em 1961), e que agora vêem essa autoridade questionada, pondo assim em causa um
secular modo de vida. No regresso a Portugal, é sobretudo nessas pessoas que
penso. Quando regressar de novo a Goa, espero reencontrá-las mais esperançadas
no seu futuro.
3 comentários:
Sou o padre Fontes de vilar de perdizes e vou estar na india de 21/4 a 1/5 visitando goa e rebuscando Portugal latente vivo. Gostaria de ser infirmado de contatospela defesa dali gua e cultura portuguesa.muito grato.
Muito bem: vou-lhe enviar uma mensagem com essa informação...
Abraço MIL
Renato Epifânio
Prof. Renato Epifânio: Parabéns pelo lúcido relato da sua estadia em Goa. A "identidade específica" de Goa, como um farol de várias cultura (e que tanto proveito económico tem trazido à India/Delhi), está sendo dilacerada, com fanatismos que desconhecíamos e hordas invasoras de além-gates. - Ivo da Rocha (ex-director do diário goês "O Heraldo)
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