1: Na tua opinião,
a Nova Águia, passados 9 anos desde a
sua criação (2008), conseguiu de facto ser uma digna herdeira do espírito da
revista A Águia cujos princípios
editoriais no início do século XX eram o debate de ideias e a reflexão sobre o
pensamento português?
A Revista Nova Águia procura honrar o espírito da Revista A Águia (1910-1932), órgão do movimento
da "Renascença Portuguesa", que reuniu a elite cultural da sua época
(falo de nomes como Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão,
Raul Proença, Leonardo Coimbra, António Sérgio, Fernando Pessoa e Agostinho da
Silva). À semelhança da revista A
Águia, que procurou dar uma orientação maior à República (lembramos que ela
foi lançada a 1 de Dezembro de 1910), a Nova
Águia, procura, com o mesmo espírito, repensar a nossa situação no começo
do século XXI. Ela foi lançada em 2008 para, sobretudo,
promover o conhecimento da nossa tradição filosófica e cultural numa
perspectiva futurante - na premissa de que nenhum povo que despreze a sua
tradição poderá ter real futuro. Não havia nenhuma revista que, a nosso ver,
cumprisse essa missão. Continua a não haver, sendo que a Nova Águia tem conseguido ter um horizonte
ainda mais amplo do que teve a revista A
Águia, ao estabelecer, em todos números, pontes com todos os restantes
países e regiões do espaço de língua portuguesa.
2: Tens sido o
porta-voz deste projecto, uma vez que és uma presença activa nas apresentações
que fazes da revista pelo país. Como tem sido a receptividade do público?
Não temos tido razões de queixa. A Nova Águia é verdadeiramente um
"case study" - e como tal tem sido vista (inclusive em
Universidades): uma revista sem relevantes apoios, completamente independente,
que se debruça sobre temas "difíceis", sem qualquer concessão à
"facilidade" (como acontece com a maior das revistas), que, de número
para número, cresce em número de leitores. Para mais, chamo a atenção de que a Nova Águia, para além do nome de uma
revista semestral, é também o título de uma Colecção de Livros, que já vai em
mais de cinco dezenas de volumes, para além de outros títulos que o MIL tem
editado. Temos, porém, a consciência que esta é uma corrida (ou um
“voo”) de fundo. Costumamos até dizer, nas múltiplas sessões que promovemos por
todo o país, que este é um caminho para maratonistas, não para velocistas…
3: Temos leitores
em Portugal para acompanhar, intervir e discutir os temas específicos que a
revista Nova Águia propõe nas suas
edições?
Até ao momento, sim, sendo que os sinais que vamos tendo
vão no bom sentido. Há um grupo de leitores cada vez maior e mais interessado
nas temáticas da cultura lusófona. E, quanto a colaborações, elas têm sido
sempre mais do que suficientes para compor cada novo número. De tal modo que,
em geral, nem sequer fazemos convites. Os textos vão sempre aparecendo,
naturalmente, inclusive das figuras maiores do nosso universo cultural – falo,
entre outros, de Adriano Moreira, António Braz Teixeira, Eduardo Lourenço,
Manuel Ferreira Patrício e Pinharanda Gomes, não esquecendo aqueles que já
faleceram mas que ainda acompanharam os primeiros passos da Nova Águia, como António Telmo, António
José de Brito e Dalila Pereira da Costa.
4: De que modo a
Nova Águia chega ao espaço lusófono?
Essa tem sido a nossa maior dificuldade. Como a Nova Águia não quer estar dependente de
apoios externos (para não ficar condicionada por eles), não tem tido ainda a
pujança financeira para chegar, de forma mais constante, a todo o espaço
lusófono. Mas, ainda assim, temo-lo conseguido, desde logo através de Congressos
Internacionais para onde temos sido convidados e onde aproveitamos sempre a
oportunidade para publicitarmos este projecto – em Março deste ano, estivemos
em Macau; recentemente, estivemos ainda no Brasil e em Cabo Verde. E, à Galiza,
vamos sempre todos os semestres para apresentar cada novo número da Nova Águia…
5: Qual é a
relação entre o MIL – Movimento Internacional Lusófono e a revista Nova Águia?
A Revista Nova
Águia é o órgão do MIL, tal como A
Águia foi o órgão do Movimento da Renascença Portuguesa. Mas não
propriamente um órgão de propaganda, até porque o MIL não é um partido
político, ou algo que se pareça. É, simplesmente, uma revista que reflecte os
nossos valores e o nosso objectivo: promover uma cada maior convergência entre
os países e regiões do espaço de língua portuguesa.
6: Na revista
também dão voz aos poetas (secção “Poemáguio”). A poesia como reflexão e
consciência de um Portugal Novo é um desafio para esta geração de poetas?
Sim, a Nova Águia
é essencialmente uma revista de ensaio, de pensamento livre, mas tem também
sido, em todos os números, uma revista de poesia, até em reconhecimento da
importância da poesia não apenas na cultura portuguesa, mas em toda a cultura
lusófona, em geral.
7: A par do MIL –
Movimento Internacional Lusófono e da Nova Águia – Revista de Cultura para o
Século XXI, está a CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Em
conjunto, encenam acções culturais que visam uma certa realização espiritual e
filosófica do mundo lusófono, num campo congregador de ideias e atitudes
enquanto valores próprios de sociedades mais conscientes, livres e justas, nas
suas dimensões cultural, social, cívica e política e numa perspectiva
pedagógica. Que conceitos filosóficos de Agostinho da Silva estão na base deste
grande objectivo?
Quando lançámos o MIL, em 2008, ainda na esteira das
Comemorações do Centenário do Nascimento de Agostinho da Silva, que decorreram
em 2006 e por boa parte do ano de 2007, houve um amigo brasileiro que disse que
o MIL era a “criação da CPLP por baixo” – ou seja, ao nível da sociedade civil.
Cada vez mais, parece-nos ser esse o caminho: quando a sociedade civil tiver
peso suficiente para influenciar os diversos Partidos e Governos no bom
sentido, ou seja, no sentido da Convergência Lusófona, tudo o mais virá por
arrasto. A própria CPLP terá outra dinâmica, conforme o MIL tem igualmente
reclamado. Entretanto, reconhecemos que a CPLP está muito aquém do sonho de
Agostinho da Silva, que, ainda nos anos 50, prefigurava uma “Confederação dos
povos de língua portuguesa”, tendo mesmo chegado a falar de um mesmo “Povo não
realizado que actualmente habita Portugal, a Guiné, Cabo Verde, São Tomé e
Príncipe, o Brasil, Angola, Moçambique, Macau, Timor, e vive, como emigrante ou
exilado, da Rússia ao Chile, do Canadá à Austrália” (“Proposição”, 1974).
8. Que sentido e
destino para a Comunidade Lusófona na contemporaneidade, tendo em conta a crise
política e económica que se vive em Portugal e que parece esgotar o nosso país
num espaço de mera sobrevivência no dia-a-dia?
É preciso ter uma perspectiva de médio-longo prazo. Por
isso, temos procurado defender e difundir o conceito da cidadania lusófona, nos
Congressos da Cidadania Lusófona (já se realizaram quatro, até ao momento), no
âmbito dos quais temos sedimentado uma Plataforma de Associações da Sociedade
Civil. Quanto mais a sociedade civil se afirmar à escala lusófona, mas próximo
estará esse Horizonte. Mas não temos pressa. Acreditamos que temos a dinâmica
da própria história do nosso lado…
9. Há ainda lugar
para uma utopia criadora no espaço lusófono, apesar da pobreza e das fracas
perspectivas de futuro para os jovens?
Temos consciência de que por vezes o quotidiano, por ser
tão adverso, não permite a consideração dessas visões mais de médio-longo
prazo. Mas os sinais que vamos recebendo, em particular por parte dos jovens,
são positivos. Até porque, em geral, estes já não carregam em si alguns
ressentimentos históricos que, no passado, dificultaram esse caminho de
convergência entre os países e regiões do espaço de língua portuguesa.
10. Numa
perspectiva geográfica, o mapa do mundo lusófono apresenta regiões muito
distantes umas das outras. Também a nível dos valores culturais, sociais,
cívicos e políticos consolidados nas diferentes comunidades se verifica o mesmo
distanciamento?
Essa dispersão geográfica é, em si mesma, uma dificuldade
e uma mais-valia, até em termos comparativos (com o espaço de língua
castelhana, por exemplo, com muito menor projecção global). Com as novas
tecnologias de comunicação, essa dificuldade é cada vez menor, porém. Falamos
pela nossa experiência no MIL. Temos, por exemplo, um Conselho Consultivo,
constituído por uma centena de pessoas, de todos os países e regiões de língua
portuguesa. Recorrendo a essas novas tecnologias de comunicação, tem sido
possível recolher, em tempo útil, os contributos de todas essas pessoas do
nosso Conselho Consultivo.
11. Portugal é um
pequeno país que integra uma comunidade europeia desde 1986, com ideais,
dependências e políticas europeias. Tendo em atenção tudo o que essa adesão
acarreta, e do ponto de vista cultural, o Portugal contemporâneo já é um país
europeu ou ainda é um país lusófono?
Esse é, a nosso ver, um falso dilema. Na visão do MIL,
a plataforma lusófona não tem que se afirmar contra ninguém, nem por exclusão.
Pelo contrário, se Portugal não tivesse desprezado tanto a plataforma lusófona
estaria hoje numa posição bem mais fortalecida na plataforma europeia. E o
inverso também sucede: uma das mais-valias de Portugal na plataforma lusófona é
a sua integração na plataforma europeia. Elas não são pois excludentes entre si
– ao invés, reforçam-se mutuamente. E o mesmo diremos do Brasil – na sua
integração na plataforma sul-americana (Mercosul) –, de Timor-Leste – na sua
integração na plataforma extremo-asiática (ASEAN) – e dos vários países
africanos, que estão também, muito naturalmente, integrados em diversas
plataformas político-económicas desse continente.
12. Como investigador na área da “Filosofia em Portugal” tens dezenas
de estudos publicados. Na tua opinião, e a partir de uma visão crítica muito
pessoal, qual foi a obra mais exigente em termos de pesquisa e validação científica?
Decerto, a obra mais exigente
em termos de pesquisa e validação científica foi a minha dissertação de Doutoramento em Filosofia, Fundamentos e Firmamentos do pensamento português contemporâneo: uma
perspectiva a partir da visão de José Marinho, defendida em 2004 na
Universidade de Lisboa. Isto sem desprimor para qualquer das outras obras que
entretanto lançámos: Visões de Agostinho da Silva (2006), Repertório da Bibliografia Filosófica
Portuguesa (2007), Perspectivas sobre
Agostinho da Silva (2008), Via
aberta: de Marinho a Pessoa, da Finisterra ao Oriente (2009), A Via Lusófona: um novo horizonte para
Portugal (2010), Convergência
Lusófona (2012/ 2014/ 2016), A Via
Lusófona II (2015) e A Via Lusófona
III (2017).
13. Na obra Tabula Rasa
(2017) reflectiste sobre o 1º Festival Literário de Fátima – A Literatura e a
Filosofia. Se os festivais literários tendem a impressionar pela “espuma”
evanescente do desfile de personalidades mais ou menos importantes ou
mediáticas, este 1º FLF foi, tendencialmente, um Festival de Ideias, ao
privilegiar a “espessura” e a “profundidade” na reflexão dos participantes.
Quais os aspectos positivos que realças desse evento literário e filosófico?
De facto, mais do que um Festival Literário, esta iniciativa
co-organizada pelo MIL: Movimento Internacional Lusófono e pela Revista NOVA
ÁGUIA foi sobretudo um Festival de Ideias – por isso, não por acaso, o tema foi
a “Relação entre a Literatura e a Filosofia”. Para tanto, convidámos um amplo leque
de personalidades que fizeram essa ponte – não apenas entre Literatura e
Filosofia, como entre as diversas culturas de língua portuguesa. Daí a estrutura
do Festival: que alternou nove painéis “Entre Literatura e Filosofia” com quatro
mesas-redondas que se debruçaram sobre o panorama cultural de cada um dos
países e regiões do amplo e plural espaço lusófono, série iniciada logo no
primeiro dia, em que destacamos a participação de Carlos Ximenes Belo e a
extensa assistência que se foi alargando ainda mais ao longo do Festival,
nomeadamente com a presença de muitos jovens. No segundo dia, tivemos mais alguns
convidados internacionais – nomeadamente, Maria Amélia Barros Dalomba, da Liga
Africana (Angola), Elter Manuel Carlos, um dos mais promissores investigadores
de Cabo Verde, e Constança Marcondes César, uma das mais consagradas filósofas
brasileiras. Estes dois autores, de resto, apresentaram no terceiro dia as suas
mais recentes obras: “Filosofia, Arte e Literatura” e “Olhares Luso-Brasileiros”
(edições MIL). No quarto dia, destacamos a apresentação de mais um número da
Revista “Nova Águia”. No último dia, finalmente, realizou-se a entrega dos prémios
“Obras Tabula Rasa” – nas seguintes quatro categorias: Literatura
infanto-juvenil (Maria da Conceição Vicente e Catarina Pinto), Poesia (Nuno
Júdice), Ficção (Gonçalo M. Tavares) e Filosofia (Joaquim Cerqueira Gonçalves)
–, tendo-se encerrando o Festival com a entrega do Grande Prémio “Tabula Rasa -
Vida e Obra” a Eduardo Lourenço. Uma vez mais, perante uma muito extensa
assistência.
Entrevista de Adília César e Fernando Esteves Pinto a Renato Epifânio
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