Foi indisfarçável o júbilo com
que muitas figuras da nossa classe político-mediática seguiram a (mais recente)
tentativa de Golpe de Estado ocorrida na Turquia, em meados de Julho, a ponto
de alguns terem mesmo falado de um “25 de Abril”.
A menos que considerassem que
o nosso 25 de Abril foi um Golpe de Estado feito à revelia do Povo – o que não
me pareceu que fosse o que queriam defender –, estes “entusiasmos”, passe o
eufemismo, são a nosso ver graves, porque denotam um olhar completamente enviesado
sobre o que deve ser a política externa dos países europeus, por extensão, de
todo o Ocidente, que persiste no erro de querer manter um mundo à sua imagem e
semelhança.
A questão crucial é aqui a
seguinte: deveria a Europa apoiar um Golpe de Estado que, contra a manifesta
maioria da população turca, visasse criar um Estado realmente laico, à imagem
dos Estados europeus? Por muito que isso choque a boa-consciência europeia, a
resposta é óbvia: não!
Enquanto não percebermos isso
– que há países em que grande parte da população despreza por inteiro o “superior
modelo democrático europeu” –, continuaremos a cometer erro após erro. Só
quando aceitarmos essa evidência – que nem todos os povos do mundo querem
(con)viver como os povos europeus – é que poderemos vir a ter, enfim, uma
política externa lúcida e operativa. Porque não temos que ter pactos de amizade
com todos os regimes do mundo. Basta-nos ter pactos de não agressão.
Não nos parece, porém, que a
Europa esteja disposta, no imediato, a aceitar essa evidência. E por isso, com
todas as nefastas consequências, irá prosseguir na sua obsessão de “libertar” o
resto do mundo, a começar pelo mundo muçulmano, mesmo contra a sua vontade
expressa. O autoproclamado Estado Islâmico só poderá agradecer tamanha
“generosidade”. Assim, será bem mais fácil continuar a recrutar candidatos a
terroristas-suicidas, para cometerem crimes tão hediondos como aquele que
ocorreu no dia anterior, em Nice.
E não usem, por favor, o argumento
do acesso ao petróleo para legitimar ingerências nos países árabes – estes
continuarão a vender petróleo à Europa porque isso é do seu interesse vital. E
também não venham com o fantasma do Califado europeu – o extremismo islâmico
quer consolidar-se como força hegemónica no mundo muçulmano, não no “mundo
infiel”. E quanto ao argumento de que o Estado Islâmico contraria a “essência
do Islão”, lamentamos desiludir: o Islamismo, como todas as demais religiões, é
passível de ser seguido das mais diversas formas. Nem o Cristianismo era, a
nosso ver, essencialmente laico no plano político – foi a sua concretização
histórica, sobretudo na Europa, que o levou a afirmar-se assim.
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