Estranhos tempos estes, em que
o nosso tempo se estilhaça à frente dos nossos olhos, deixando de conseguir
reflectir qualquer imagem nítida…
Escrevo estas palavras ainda
no rescaldo dos atentados terroristas em Paris, que anunciam um tempo ainda
mais sombrio. Minada pelas suas contradições internas e pelas cada vez maiores ameaças
externas, a União Europeia parece ser cada vez mais um cadáver adiado, uma
ilusão que enfim se desfaz, de forma irreversível.
Olhando para o nosso país, o
panorama não é muito melhor. Sim, temos estado (ainda) a salvo de terrorismo.
Mas, mais de quarenta anos depois da Revolução de Abril, parece que vegetamos
ainda no quadro mental do PREC (Processo Revolucionário em Curso), absurdamente
divididos entre “fachos” e “comunas”.
Nestes tempos, nem sequer do
espaço lusófono parece vir grande luz. Moçambique parece viver ainda na sua
guerra civil, Angola parece incapaz de dar o salto qualitativo necessário para
se tornar num verdadeiro Estado de Direito e até o Brasil, depois de um
aparente salto social e económico, parece de novo soçobrar. Só dos pequenos
países (Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste; da Guiné-Bissau nem vale
a pena falar) vêm, de vez em quando, (pequenas) boas notícias. Mas
insuficientes, por si só, para mudar o horizonte.
Nestes tempos sombrios, só
pessoas com o sentido dos ciclos históricos podem não desesperar de vez. Em
Portugal, estamos a viver claramente uma dessas mudanças de ciclo. Martin Heidegger
dizia que “chegámos demasiado tarde para os deuses mas demasiado cedo para o
ser”. Portugal vive hoje um momento análogo. Já não tem deuses ou heróis de que
se orgulhe. Mas (desde logo por isso) ainda não encontrou o seu futuro.
Neste livro de Octávio dos Santos,
intitulado “Q: Poemas de uma Quimera”, promovido pelo MIL: Movimento
Internacional Lusófono, questiona-se, a certa altura: “Prestemos homenagem a
todos os marinheiros portugueses, a esses corajosos navegadores heróis dos
Descobrimentos. Graças à sua aventura Portugal deu novos mundos ao Mundo, e
ergueu, nos quatro cantos da Terra, grandiosos monumentos. Mas como foi
possível tão poucos fazerem tanto em tão pouco tempo, deixando marcas profundas
e perenes na civilização e na cultura universal?”
Olhando para o Portugal de
hoje, não é fácil a resposta. Esses “marinheiros portugueses”, esses “corajosos
navegadores heróis dos Descobrimentos”, não parecem ter deixado descendência
visível. Nem descendência nem sequer memória. Mas se assim é, então o único
caminho de futuro só pode começar pela recuperação dessa memória. Decerto,
nestes tempos, esse caminho de futuro é ainda apenas uma quimera. Mas, passo a
passo, tornar-se-á um pouco menos irreal. O melhor que posso dizer deste livro
é que nos aponta nesse sentido. O que já não é pouco. É mesmo muito, nestes
tristes estranhos tempos.
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