Apenas uma breve nota sobre o texto “Sampaio Bruno, o portuense universal”,
de António Valdemar (PÚBLICO, 02/11/2015), onde se lamenta que o centenário do
seu falecimento não esteja a ser devidamente assinalado. Tal não corresponde à
verdade. Entre os dias 4 e 6 de Novembro, decorreu um grande Congresso, no
Porto e em Lisboa, co-organizado pelo Instituto de Filosofia Luso-Brasileira,
Instituto de Filosofia da Universidade do Porto, Universidade Católica Portuguesa
e Biblioteca Pública Municipal do Porto (ver programa: iflb.webnode.com). A
Revista NOVA ÁGUIA, por seu lado, também dedica o seu décimo sexto número, entretanto
lançado, a este insigne filósofo lusófono.
Quanto ao cariz do seu pensamento, deixo igualmente esta breve reflexão: «No
entender de José Marinho, um dos seus mais insignes hermeneutas, o que
essencialmente caracteriza o pensamento de Sampaio Bruno é a sua heterodoxia.
Marinho chegou, aliás, a qualificar a concepção brunina como a “concepção mais
heterodoxa da filosofia portuguesa”. Ainda segundo Marinho, consubstancia-se
essa heterodoxia num duplo sentido: “O pensamento de Sampaio Bruno é, como se
sabe, essencialmente heterodoxo. Tal deve entender-se em dois sentidos. Heterodoxo
é o pensamento de Bruno em relação à ortodoxia católica. Heterodoxa é também a
sua teurgia profética em relação à
ortodoxia humanista, ou humanitária, que se formou, como irmã inimiga, na
sequela da primeira.”. Não se consubstanciou, porém, essa dupla heterodoxia
numa mera “carnificina de sistemas”, para retomarmos a já consagrada expressão
de Eduardo Lourenço. Segundo o próprio José Marinho, “na sua oposição ao
moderno evolucionismo progressista e ao humanismo satisfeito, ele [Bruno]
descerrou o segredo profundo daquilo mesmo a que teve de opor-se”, da mesma
forma que, na sua oposição à ortodoxia católica, “assegurou melhor o caminho do
autêntico, profundo e velado cristianismo do que muitos cristãos de satisfeito
saber e formal observância”. Daí, em suma, para José Marinho e para muitos
outros estudiosos da nossa tradição filosófica, toda a importância de Sampaio
Bruno para o pensamento português contemporâneo – fazendo jus ao seu apelido, que
José Pereira de Sampaio adoptou em homenagem a “um dos filósofos mais
revolucionários do Ocidente”, Bruno “antecipa com seu pensar ao mesmo tempo
difuso e concentrado algumas das formas mais autênticas da filosofia e dos
caminhos da nossa época”. E por isso o considerou como “o mais profundo dos
nossos filósofos críticos e o mais excessivo”, sendo “difícil será encontrar em
qualquer parte pensamento mais audacioso e mais original do que o deste homem
tímido e embaraçado”, e por isso nos disse ainda, a respeito da sua obra, que
ela se constitui como “a mais significativa expressão do drama espiritual do
homem moderno no trânsito do século XIX para o presente”, tendo inclusivamente
afirmado que “a sua obra só por si vale todo o século XIX, perante ela
empalidece tudo quanto a grande geração de Antero ou Oliveira Martins fez”,
assumindo-se, nessa medida, como “o ‘juízo final’ do nosso século XIX” e, nessa
medida ainda, como uma das pontes para o nosso futuro.».
Renato Epifânio
Direcção do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira e da Revista NOVA ÁGUIA
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