Desta vez, fiz por não
alimentar grandes expectativas. Em anteriores idas ao Brasil, o “Brasil Mental”
(não o livro) que levei comigo no avião chocou por vezes de frente com o Brasil
real que encontrei. Desde logo por isso, desta vez o saldo acabou por ser
amplamente positivo.
O paralelo com o Brasil não é,
de resto, fortuito. Num jantar, alguém citou um diplomata brasileiro, segundo o
qual Cabo Verde seria o Brasil “em ponto pequeno” – a quem um homólogo
cabo-verdiano logo contrapôs: o Brasil é que é Cabo Verde “em ponto grande”.
Talvez não seja esse, porém, o
melhor ângulo de abordagem. Apesar de algumas semelhanças com o Brasil (com
algum Brasil…), Cabo Verde caracteriza-se mais pela sua singularidade, desde
logo em relação a África, mesmo à Africa Lusófona. Durante o Estado Novo, para
não recuarmos mais, era em Cabo Verde que o regime recrutava e formava os
quadros intermédios, depois destacados para os mais diversos pontos do Império.
Com a descolonização, Cabo
Verde viveu um impasse: a população, em geral mestiça, era demasiado “escura”
para permanecer portuguesa (daí toda a diferença com o que aconteceu na Madeira
e nos Açores…) mas demasiado “clara” para ser aceite como africana pelos demais
povos. Essa desconfiança, ainda hoje – garantem-me –, permanece.
Num almoço à beira mar, alguém
cita um africano do continente, que garante “aceitar muito melhor um patrão
português do que cabo-verdiano”. Da parte dos cabo-verdianos, há também alguma
desconfiança. Uma portuguesa que aqui vive há alguns anos fala-me mesmo de algum
ressentimento em relação aos portugueses – não, ressalva, das gerações mais
velhas, mas das gerações mais novas, ou seja, daquelas que nasceram já após a
descolonização. Um caso claro de um (re)sentimento induzido…
Pessoalmente, devo dizê-lo, nunca
senti a menor hostilidade, mas, tal como esperava, o discurso lusófono que
levei comigo não teve tanto eco como desejaria. Na rua ouve-se sobretudo falar
crioulo – nas suas múltiplas variantes – e na única livraria que encontrei, na
Cidade da Praia, abundam os livros sobre a identidade cabo-verdiana e a “crioulidade”.
E julga Eduardo Lourenço que a questão de “identidade” é uma obsessão
portuguesa. Bem maior é, sem dúvida, em Cabo Verde.
Não é essa, porém, uma
reflexão de sentido único. Numa pastelaria onde tomei o pequeno-almoço, folheei
um jornal e li um texto onde, ao contrário, um cabo-verdiano defende que esta
aposta na identidade crioula deve ser complementada com a identidade lusófona –
pois que só esta, ao contrário daquela, abre Cabo Verde ao mundo, por
integração numa plataforma de escala global. No regresso a Portugal, demorei-me
a pensar que, mais cedo ou mais tarde, isso se tornará óbvio para todos os
cabo-verdianos – não obstante as diferenças internas entre as ilhas (que se
reflecte também no destino das várias diásporas: entre os EUA e a Europa). A
história anda sempre mais devagar do que aquilo que desejaríamos. Talvez seja
melhor assim.
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