Ainda sobre Vasco Graça Moura,
salientemos aqui a sua obra A Identidade
Cultural Europeia, publicada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, no
final de 2013. Não tanto pela sua extensão, mas, sobretudo, pela sua densidade,
lemos esta obra como uma espécie de “testamento espiritual”, na sua apologia
desassombrada da Europa enquanto “identidade cultural”. Decerto, a proximidade
da morte acentuou ainda mais esse seu característico desassombro, bem evidente
em várias passagens da obra – a título de exemplo, atentemos nesta: “Não pode
tolerar-se que o politicamente correcto ou um mal disfarçado propósito de, em
nome de outras orientações pretensamente racionalizadas, equipare um totem da
Papuásia e um quarteto de Beethoven ou a uma obra de Piero della Francesca” (p.
33).
Fazendo a crítica feroz do
relativismo cultural, trave-mestra de todo o pensamento pós-moderno, Vasco
Graça Moura desenvolve depois, de forma corajosa, ainda que nalguns pontos decerto
questionável, a sua apologia da Europa, dizendo-nos: “O espaço europeu criou
condições para uma profunda reflexão do homem sobre si mesmo e sobre o mundo.
Arte e filosofia, nesse aspecto, partilham o terreno, muito embora com
processos, métodos e objectivos diferentes (…). Já vimos que a Europa,
diferentemente dos outros continentes, começa por se pôr em questão. É a Europa
e são, hoje, as Américas, suas extensões civilizacionais, num todo que pode
genericamente ser englobado sob a designação de Ocidente.” (pp. 62-63).
E acrescenta, logo de seguida
– ainda com maior desassombro: “Enquanto um imobilismo ancestral caracterizou
as outras áreas do planeta, a essa propensão para a auto-reflexão conexa com a
elaboração de uma visão do mundo podemos atribuir a vontade de teorização
estética, sobre o Belo, as suas condições e as suas regras, bem como sobre a
sua capacidade de representar a realidade com um coeficiente de ‘fidelidade’ e
de verosimilhança diferente das maneiras de ver de outras partes do nosso planeta.
Essa representação esteve constantemente presente ao longo dos séculos, tendo,
com a invenção da perspectiva (Lucca Pacciolli, Piero della Francesca), que é
uma descoberta europeia, permitindo a simulação da tridimensionalidade e
portanto uma abordagem, uma representação e um conhecimento do real muito mais
completos.” (p. 63).
Ao contrário, porém, de todos
aqueles que – a nosso ver ingenuamente – partem da afirmação de uma identidade
cultural europeia para a defesa da sua união política, Vasco Graça Moura dá
mostras de um sábio cepticismo, bem expresso, por exemplo, nesta passagem:
“deve notar-se que cada americano é capaz de bater no peito e de se declarar
pronto a morrer por ‘the Nation’, seria bizarro esperar-se a mesma atitude da
parte de um europeu. Ninguém se mostra disposto a dar a vida pela Europa…” (p.
81). Ou seja, para concluir: há, na sua irredutível multiplicidade, uma
identidade cultural europeia; simplesmente, essa identidade cultural não é de
todo suficiente para sustentar uma real união política, como pretendem alguns,
que insistem em estabelecer um paralelo com o federalismo norte-americano.
4 comentários:
Muito discutível...
Para mim não existe identidade europeia.
Em termos de identidade Noruega, Suíça ou Canadá estão para mim absolutamente equidistantes. Existe uma identidade chamada cultura ocidental. Digo mais, sinto-me muito mais identificado com o Canadá culturalmente do que com a Letônia.
A Europa (UE) é o produto do axioma da contiguidade geográfica impostos por certos grupos globalizadores. Essa imposição existe desde a segunda guerra mundial e serviu tanto pra a formação de novos blocos regionais como para a formações das independências. Quase todas as regiões contíguas se independentizaram num só país.
Por isso na minha opinião a UE é um contraponto à CPLP e não uma via paralela. Poderia ser se tivesse nascido em outro contexto e com outras intenções.
“deve notar-se que cada americano é capaz de bater no peito e de se declarar pronto a morrer por ‘the Nation’, seria bizarro esperar-se a mesma atitude da parte de um europeu. Ninguém se mostra disposto a dar a vida pela Europa…”
Isto diz muito.
Eduardo Aroso
Sobre o assunto
"PAZ À SUA ALMA"
Outros mortos gloriosos me acompanham dia a dia, sendo um deles muito recente, que devemos falar e debater
"Nelson Mandela"
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