Como
nós não opomos, em antítese ou antinomia insuperáveis, indivíduo e pessoa ─ o que se traduziria numa fragmentação inaceitável e numa
autêntica esquizofrenia da mais fundamental e ôntico-ontológica unidade humana, que tem de ser
salvaguardada de um ponto de vista ontológico-metafísico ─, e porque não
definimos toda a «essência» do humano
como exclusivamente social; mas
porque, por outro lado, para nós também, o conceito universal que verdadeiramente
exprime o ipsum esse do homem, em
toda a sua completude, ontológica e axiologicamente perspectivado, é
efectivamente o de pessoa humana,
adoptamos um «personalismo crítico» e um «personalismo liberal aberto»
e preferimos falar, em síntese, da pessoa
humana individual, numa linha de proximidade com o individualismo
verdadeiro de HAYEK e aceitando a visão básica e a inestimável contribuição
do liberalismo clássico, na base de
uma fundamental concepção
individualista, realista e crítica da pessoa huma-na, realidade humana que
define uma unidade originária,
anterior e para além da separação cartesiana entre psíquico (res cogitans) e
físico (res extensa), e no reconhecimento primordial da Liberdade (ontológica), da Espiritualidade e da Racionalidade (crítica e prática) como
os elementos centrais, embora não exclusivos, da Existência, e definindo também a pessoa, apesar de tudo, como,
simultaneamente, um «ser espiritual», um «ser racional», um «ser livre» e um
«ser prático».
Nesta
nossa concepção, a pessoa humana, o
próprio «ser» da pessoa, a própria natureza humana universal (como
«constituição ontológico-fundamental» do Dasein,
do «ser-aí», na terminologia de MARTIN HEIDEGGER), não são portanto concebidos
como uma sub-stância, que ainda o é
para o pensamento metafísico tradicional, mas como uma «ordem», ou o que também se poderá dizer um «sistema», ou «complexidade
integrada», mas uma «ordem» ou um «sistema» abertos e simultaneamente
universais e únicos, um microcosmos
dentro do mais vasto e alargado macrocosmos da sociedade, da civilização e do
Universo. A «essência» da Ek-sistência
humana não é, assim, só o «ser» (positividade: HEIDEGGER), nem só o «não-ser»
(negatividade : SARTRE), mas mais o «poder-ser»,
como unidade da possibilidade e da liberdade e englobando dinamicamente
aqueles dois aspectos, donde resulta a normatividade
da Existência humana, em que o dever-ser
(valor) é o possível em sentido normativo, equivalente moral do poder-ser em sentido empírico (NICOLA
ABBAGNANO). A nossa concepção da pessoa
humana (e do seu «ser» e «não-ser», como «poder-ser» e «dever-ser») não é
assim uma concepção substantivista,
monista, fechada, estática, definida e fixa,
mas uma concepção relacional, plural, dinâmica,
móvel (sincronicamente), mutável,
histórica (diacronicamente) e aberta.
De
modo semelhante ou, pelo menos, convergente, A. CASTANHEIRA NEVES, em Pessoa, Direito e Responsabilidade, diz
o seguinte:
«(…)
De uma outra forma, mas no fundo convergente, se poderá também dizer com
JEAN-MARC TRIGEAUD que o “dado capital” da pessoa, na sua absoluta implicação
ético-axiológica, não encontra o seu fundamento em qualquer “natureza” (e em
qualquer “direito natural”, no seu sentido tradicional), que apagaria inclusive a compreensão da sua
“individualidade irredutível”, mas numa “ideia metalógica e meta natural” ─ a
emergir da “intuição” de uma pessoal
unidade fundamental entre ser e
dever-ser. Do mesmo modo que “o respeito de esta presença, de este
existente, como respeito da pessoa dada à experiência mais imediata do olhar e
do sentido, é a primeira lei do justo, o primeiro dever indissociavelmente
moral e jurídico que se impõe”.
Assunção
relacional do valor absoluto da
pessoa ou relação de reconhecimento
do puramente pessoal como verdadeiro dom, que encontra a sua decisiva
possibilidade e o seu último sentido ─ há que dizê-lo também ─ na graça de
aquele outro reconhecimento provindo do Amor absoluto que nos chamou ad imaginem et similitudem Suam e que,
simultaneamente libertador do autêntico em cada um de nós e vinculante de cada
um de nós à vocação iniludível do outro, nos faz todos irmãos na comunhão e
partilha do mesmo mundo.
Por
isso será duvidosa a concepção substancialista da pessoa em BOÉCIO (persona est rationalis naturæ individua
substantia, mesmo no sentido profundo de o ser do logos ou que tem logos) e
não muito diferentemente tanto em S. TOMÁS como em SUÁREZ, mesmo com a
correcção de RICARDO DE SÃO VICTOR. E não menos as actuais tentativas de uma
sua dedução transcendental em referência à comunicação (ÄPEL) ou do discurso
(ADELA CORTINA) ─ a comunicação só o será autenticamente entre pessoas, é
certo, mas são estas que instituem a comunicação, e não a comunicação que
fundamenta constitutiva-mente as pessoas» ─ os itálicos são nossos.
VIRGÍLIO CARVALHO.
Sem comentários:
Enviar um comentário