A «Ordem de Direito»
(ontologicamente una) e os princípios considerados como seus constitutivos (a
Verdade, a Justiça, a Liberdade, a Segurança e a Paz) exigem, para a sua ulterior
efectividade, positividade, vigência e eficácia, um correlato organizacional e
histórico, ou seja, um Estado, que é sempre, de algum modo, um «mal necessário»
e que, por isso, só pode ser um «Estado de Direito» (Government of Law, État-de-Droit,
Rechtsstaat): um Estado que se funda e legitima na «Ordem de Direito», como
realidade ético-cultural, normativa e espiritual-objectiva anterior a ele e
para além dele que, simultaneamente, o legitima (melhor: o «valida») e o limita,
e na «Comunidade de Direito», bem como nas suas exigências normativas
objectivas, ou inter-subjectivas, pressupondo estas ─ e não, supostamente, um
Direito que apenas se fundasse e decorresse desse Estado (mera «legalidade»,
ainda que proclamada de «democrática»). Um Estado, pois, que pré-supõe a «Ordem
de Direito» e a anterior «Ideia de Direito», como prévias e prioritárias em
relação a ele, mas que também constitutiva e constantemente o transcendem e
excedem.
Um Estado que é, portanto, apenas
a «parte organizada» (como «organização», ou como «aparelho») da Comunidade
Global (como Pátria, como Nação e como República) e cujo exercício de poder não
é assim mais do que a efectivação do Direito e de fins que lhe são heterónomos,
que o antecedem (lógica e ontologicamente, embora porventura nem sempre
cronologicamente) e que o transcendem, pois como o disse já PASCAL: «A justiça
sem a força é impotente, a força sem a justiça é tirânica… É preciso, portanto,
pôr em comum a justiça e a força e, para isso, fazer que o que é justo seja
forte, e que o que é forte seja justo».
Isto porque enquanto a «Comunidade
Público-Política» (República + Estado), como comunidade aberta, livre, soberana
e de direito, é uma verdadeira «instituição»
política e jurídica comum, o Estado é uma mera «organização» política e
jurídica (um mero «aparelho»), tendo em conta a conhecida distinção sociológica
e cultural entre «instituições» e meras «organizações».
2. Um tal Estado é, no nosso
tempo e, pelo menos, no espaço cultural e civilizacional europeu, um «Estado de
Direito Democrático e Social». E assim, ao contrário daqueles para quem o primado
é o da democracia e o da socialidade e o Direito é mera «legalidade», para nós,
um tal Estado é, por esta ordem: 1º., um Estado de Direito; 2º., um Estado
Democrático e, 3º., um Estado Social.
Resumir-se-á a ideia de um tal
Estado dizendo que ele deve tender a ser, optimamente, um Estado de Justiça e
um Estado de Liberdade, que são conceitos e realidades normativos que se
completam e pressupõem reciprocamente. Também se lhe poderá chamar Estado-Garantia:
ver SÉRGIO REBELO, LUÍS CABRAL e JOSÉ GABRIEL QUEIRÓ, na revista «Nova
Cidadania», nº. 33, Ano IX, de Julho-Setembro de 2 007, págs. 13 a 29; e RUI
NUNES, na mesma revista, nº. 37, Ano X, de Outubro-Dezembro de 2 008, pág. 10 e
Etc.
Hoje em dia, em Portugal, está em
crise o Estado Social. Ele não deve prejudicar, nem o Estado de Direito, nem o Estado
Democrático. Ele funda-se num princípio da solidariedade, mas deve, também,
estar subordinado a um princípio de subsidiariedade. Isto é, só deve haver Estado
Social onde a sociedade civil não for apta ou capaz de fazer face aos problemas
sociais e de intervir positivamente para os resolver. Por isso ele não tem de
ser, sempre, o prestador, em espécie, dos serviços sociais, mas, antes de tudo,
o promotor dessas iniciativas, o garante e o regulador desses problemas e,
também, o financiador e o fiscalizador. Cabe, em 1ª. linha à sociedade civil e
às suas instituições e entidades o assumir a tarefa de prestar, em espécie e em
proximidade das populações, os serviços socialmente necessários, devendo o
Estado, em 2ª. linha, intervir quando necessário e criar os serviços e as
instituições adequados para esses fins, podendo, muitas vezes fazê-lo em
colaboração e concertação com as entidades e instituições da sociedade civil
apropriadas. Isso é particularmente notório, quer em relação à Educação (em que
existe, em Portugal, um preconceito negativo em relação às escolas privadas: o
«cheque-ensino» é uma possibilidade
pouco praticada entre nós…), quer em relação à Saúde, em que não tem que haver
só um monopólio do Estado em relação à dita Saúde Pública, que pode também ser
prestada por serviços privados ou de parceria com o Estado, como serviço
universal e tendencialmente gratuito, devendo ser o Estado o financiador
através de «cheque-saúde».
3. E é também, não
necessariamente, um Estado Mínimo (Cfr. ROBERT NOZICK, Anarchy, State and
Utopia,, 1 974 -1 991), mas um «Estado Necessário»: com alguma razão definiu
HEGEL, no seu tempo, o Estado moderno como «a necessidade externa» da sociedade
civil. Isto só pode significar que só deve haver Estado aonde ele é na verdade
«necessário»: nem mais, nem menos Estado, apenas o «necessário». O que é outra
forma de enunciar o princípio (cristão) da «subsidiariedade».
Aliás, a máxima cristã «A César o
que é de César…» significa também, em sentido lato, ou numa sua legítima
interpretação extensiva: «Ao Estado o que é o Estado e… à sociedade civil o que
é da sociedade civil !».
VIRGÍLIO CARVALHO (Dr.).
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