Um Poeta de Cabo Verde
Dimas Macedo
Filinto Elísio Correia é um dos grandes poetas
de Cabo Verde, na atualidade. Agente político bastante atencioso, durante algum
tempo escolheu Fortaleza como lócus
privilegiado da sua pesquisa de campo, e o Mestrado em Administração da Unifor
como o nicho acadêmico dos seus estudos de pós-graduação.
Trata-se de intelectual que sabe
ver e sentir com o coração; que sabe compreender as intenções dos agentes com
os quais dialoga; e que sabe conversar, com clareza, sobre as coisas e as
relações da política que se tecem entre Cabo Verde e o Brasil.
Filinto não é um poeta de linguagem
tradicional, nem um escritor de estilo burguês que escreve para agradar à elite
intelectual ou para interagir com a retórica de plantão. É, antes de tudo, um
artista na melhor acepção da palavra, que sabe colocar os diversos signos da
vida em movimento, sempre com uma dose de elegância na conversação.
As
estruturas e os desvios da língua estão em Filinto como em poucos escritores
que conheço, mas a estética é o lugar da linguagem (ou o lugar do discurso)
para onde converge a sua ação textual.
Do Lado de Cá da Rosa
(Mindelo, Instituto Cabo-verdiano do Livro e do Disco, 1995), O Inferno do
Riso (Praia, Instituto da Biblioteca Nacional, 2001) e Das Hesperides
(Praia, Universal Frontier, 2005) são alguns dos seus livros de poemas, este
último lançado na Bienal do Livro do Ceará, em agosto de 2006.
Tem sido intensa a sua produção
de jornalista e, indiscutivelmente, muito proveitosa a sua verve de cronista e
de ficcionista. Seu romance – Outros Sais
na Beira Mar (Lisboa, Letras Várias, 2009) constitui um março da criação
literária que dialoga, soberanamente, com as exigências da pós-modernidade.
Esse romance, segundo o autor,
seria uma espécie de puzzle, onde várias formas de escrita se fundem e renovam,
qual um jogo de luzes que se cruzam em busca de uma sinfonia plena de imagens
fortes.
Porém aqui não pretendo comentar o conteúdo
desse livro, ainda porque a substância desse livro é a sua forma, aí
destacando-se, com relação ao autor, a sua dimensão de poeta e de arquiteto da
linguagem que elegeu a criação artística como vocação.
Releio, com atenção, os poemas
reunidos no seu livro – Das Frutas Serenadas (Praia, Instituto Nacional
do Livro, 2007) – e neles vejo um passo decisivo na sua trajetória de poeta.
Não se trata do coroamento da sua produção de escritor, mas do momento em que a
sua linguagem adquire um refinamento estético com que muito há de lucrar a
literatura de sua geração.
No livro, a linguagem literária
dialoga abertamente com a linguagem fotográfica, provocando efeitos cinéticos
(e sinérgicos) da mais alta valia. Esse diálogo multicultural é um dos grandes
achados desse livro, porque o outro, o maior de todos, decorre das imagens fortes
e dos recortes semânticos com que o autor imanta seus poemas.
Esse recurso já era forte –
muito forte mesmo – nas páginas do seu livro anterior, no qual as imagens
fotográficas de várias procedências se ampliam em relação à linguagem
minimalista e fragmentária de Filinto Elísio. Nesse livro, o efeito visual e a
composição textual aí subjacente se fazem no sentido da ampliação do discurso
literário.
Constata-se nesse livro, sem maiores esforços,
excelente expressão poemática, porém nele existe poesia de boa qualidade também
e poesia indiscutivelmente madura e apurada. Menos inferno para o riso de
Filinto Elísio e melhor expansão dos seus recursos literários. Maior claridade
e um mais ampliado campo de visão.
Esse retorno de Filinto às suas primeiras
formas de pesquisa aproxima o poeta do seu universo simbólico cristalizado em O
Inferno do Riso, mas aqui as maneiras de encarar o mundo são outras. É
outra a projeção do seu imaginário. Diversos também aqui a sua abstração e o
seu ponto de observação.
Das Frutas Serenadas é um
livro que nos conduz à existência de um poeta maior, plural nas suas intenções,
pleno na sua maturidade e no domínio dos seus recursos expressionais.
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