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MIL: Movimento Internacional Lusófono | Nova Águia


Apoiado por muitas das mais relevantes personalidades da nossa sociedade civil, o MIL é um movimento cultural e cívico registado notarialmente no dia quinze de Outubro de 2010, que conta já com mais de uma centena de milhares de adesões de todos os países e regiões do espaço lusófono. Entre os nossos órgãos, eleitos em Assembleia Geral, inclui-se um Conselho Consultivo, constituído por mais de meia centena de pessoas, representando todo o espaço da lusofonia. Defendemos o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço lusófono – a todos os níveis: cultural, social, económico e político –, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma verdadeira comunidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade.
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NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI

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Desde 2008"a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".

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"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

Nenhuma direita se salvará se não for de esquerda no social e no económico; o mesmo para a esquerda, se não for de direita no histórico e no metafísico (in Caderno Três, inédito)

A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo (in Cortina 1, inédito)

Agostinho da Silva

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

De Agostinho: “A cultura brasileira”


Embora abafado pela cortesia ou pela real admiração pelo país ou pela modesta admissão de que se trate de ignorância própria, chega­-nos de quando em quando o eco de um espanto pela falta de originalidade do que, fora do Brasil, aparece como a representação ou o produto de suas possibilidades culturais. O que podem supor os que têm do Brasil apenas a impressão que lhes transmitem os escrito­res de mais geral fama, fora dos géneros a que poderemos chamar líricos, ou os conferencistas ou os professores universitários, é que estamos apenas copiando Europa ou América, sem nenhuma espécie de originalidade e sobretudo sem aquele centelhar de esperanças novas que tanto a Europa propriamente dita como o seu prolonga­mento, ou agravamento, que é a América do Norte desejariam ver surgir nalgum canto do mundo e estariam como que preparadas por um conjunto de circunstâncias a tomar do Brasil. O mais grave ainda, para sermos inteiramente francos, é que, em grande parte das vezes, a imitação lhes aparece, além do mais, com os traços de uma involuntária caricatura.
É evidente que tinha de ser esta a consequência, dadas as bases em que assenta a chamada cultura brasileira e dado o desconheci­mento que é justificável tenham os estrangeiros de certos pormeno­res ou demasiado subtis ou demasiado ocultos do que se passa nos meios de alta cultura e que garantem ou apontam, apesar de tudo, uma originalidade do Brasil. Tomada no conjunto, a cultura do Brasil vive ou com saudades da Europa ou tendo por meta a realização americana. Nada distingue a ciência brasileira da ciência euro­peia, a não ser a sua menor pujança; nada distingue a arte brasileira da arte europeia, a não ser a sua menor originalidade; nada distingue a filosofia brasileira da filosofia europeia, a não ser a sua quase total inoperância. Como nada distingue as academias brasileiras das euro­peias, a não ser que ainda são mais velhas; ou as universidades das suas congéneres de além-Atlântico ou além-México, a não ser que têm menos tradição; ou, de um modo geral, as escolas brasileiras das escolas europeias, a não ser que ainda são mais restritivas de qual­quer livre e amplo desenvolvimento do espírito do homem.
Por todo o mundo vão as elites sem rumo e as nossas fazem nisto parte das elites de todo o mundo; nenhum esforço profundo, nenhu­ma séria e audaciosa reflexão faz que deixemos de passar de extrava­gância a extravagância ou de moda a moda, sem que sequer se tenha a consolação de verificarmos que fomos os criadores do novo ópio; não há nem o início de um pensamento nosso, nosso e portanto novo, e, porque novo, digno da real atenção do universo; não há nem o início de uma política nossa, ligada naturalmente a uma forma nossa de economia, que viesse resolver aqueles problemas de economia mundial e de política mundial e de humanidade mundial, digamos assim, que não podem resolver nem o totalitarismo da liber­dade, à maneira americana, nem o totalitarismo da planificação, à maneira russa; e, mais grave do que tudo, não há nem o início de uma ciência nossa.
No entanto, basta que o observador, pondo de lado os livros das bibliotecas eruditas, e os quadros dos museus ou exposições erudi­tas, e as reuniões dos homens eruditos, que com tanta frequência se exportam ao estrangeiro, viaje pelo interior de Rio Grande ou Minas ou atravesse os sertões do Nordeste e se demore com alguma atenção no estudo daquela gente que um dia alimentou o Brasil, ou lhe deu as primeiras bases daquele barroco que é apenas um dos aspectos de um maior barroco atlântico tão demorado em surgir, ou afirmou em Canudos, morrendo, o seu direito à originalidade, bas­ta o conhecimento embora ligeiro daquele Brasil que se recusa a julgar seu destino, esperar no cais o último e louco ditame de além-mar, para entender como está inteiramente errado o Brasil que os estrangeiros conhecem e, por outro lado, para perceber como as­senta em bases inteiramente brasileiras uma literatura como a de Mário de Andrade ou uma arquitectura que, no melhor, já vai unindo a abstracção e o barroco.
Se esse povo se pudesse afirmar, viria primeiro a derrocada de todas as imitações filosóficas que as escolas teimam em impor ao jovem estudante brasileiro; não teríamos mais aristotelismos de jeito alemão ou francês, de qualquer modo nitidamente europeus, aristotelismos adaptados a uma política do poder, e não aristotelis­mos de fraternal convivência como foram os da Península Ibérica, enquanto a Europa a não dominou também; porventura teríamos aquela sonhada fusão, numa unidade mais vasta e aí verdadeira­mente perene, de aristotelismo e platonismo; mas, pelo menos, não haveria mais kantismos e empirismos de importação, tão culpados na criação de falsas aristocracias, e sobretudo aquelas várias espé­cies de positivismo nas quais os homens se esquecem de que é absurda toda a filosofia que não culmine numa teologia; viria a derrocada de toda a política movida à maneira inglesa ou francesa por cepticismos ou por interesses económicos e desapareceriam todas as saudades que ainda existem de regimes que têm por base a ideia de que não é o governante responsável perante Deus; viria a derrocada de toda a arte em que o artista nunca entendeu que ela é fundamentalmente uma liturgia em que se fundem uma liturgia, digamos de adoração, e uma liturgia de criação do Céu na Terra e em que, por conseguinte, não pode ser oficiante o homem cujo pensamento ou cuja vida vagam na desordem: em que o artista tem de ser puro, não porque cumpre um código de preceitos, mas por­que, no acto, é puro o seu espírito; viria a derrocada de toda a ciência que o Amor não move, mas que pelo contrário nos aparece no mundo de hoje cada vez mais acelerada pelo ódio; como viria a derrocada de toda a religião puramente formal que só pode ser vivificada pelo livre sopro daquele Espírito Santo cujo culto, te­nazmente, o povo brasileiro conserva e defende.
Tudo isto que está imerso na liberdade gaúcha ou na beleza dolorosa e frágil das violadas de roça ou nas carrancas do S. Fran­cisco ou nos folhetos das feiras nordestinas; ou que já teve uma primeira e fragmentada expressão nos novos edifícios brasileiros, nas Escolinhas de Arte ou nos sábios do Instituto Oswaldo Cruz; tudo isto poderá de súbito eclodir numa explosão de Primavera do mundo e, dando as mãos a movimentos novos das terras portuguesas, trazer ao universo aquele novo tipo de existência que não será marcado pela submissão à cidade ou pela caridade perante o degradado irmão, mas pela possibilidade para cada indivíduo de ser um criador no campo da Arte ou no campo da Ciência ou, no que é talvez mais importante, no de sua própria Vida.
Nada haverá, porém, sem que por deliberada acção dos homens ou pelo oculto império das forças propulsoras ou explicadoras da História, de que jamais falam os historiadores oficiais, se tornem inteiramente diferentes as condições económicas, pedagógicas e de convivência política do homem brasileiro e sem que se acabe de vez com a ideia de um Brasil puramente litoral que olha, meio desconfiado, meio temeroso e ao mesmo tempo superior, para o Brasil dos sertões; neste último ponto, tem de se considerar que o movimento dos bandeirantes nada mais sofreu do que uma inter­rupção, devida provavelmente à pressão de um estrangeiro ao qual mais que tudo convinha a existência de um Brasil puramente marí­timo. Como outrora, o Brasil tem de voltar as costas ao mar, para que a ele torne um dia como vencedor; isto é, como dominador de si próprio.
No que respeita à economia, a necessidade fundamental é a de que todo o brasileiro tenha acesso às fontes de riqueza e seja tratado essencialmente não como produtor mas como consumidor; não creio que ainda aqui se possam importar sistemas europeus e nos possamos contentar ou com a propriedade estatal ou com as cooperativas: à primeira se opõe o sentido de liberdade do brasileiro e ao segundo método o considerar ele, com toda a razão, que há coisas que têm muito mais importância do que o cuidar da própria subsistência; também não tem sentido algum, perante a técnica moderna, defen­der a pequena propriedade: o ideal seria a criação de autarquias económicas, confiadas a homens de espírito bandeirante, que fun­cionassem, perante o Estado, como empresas capitalistas, mas perante o consumidor como cooperativas.
Quanto a escolas, tudo o que há a dizer é que todas elas estão completamente erradas, senão quanto ao presente, pelo menos no que há a fazer pelo futuro; são escolas de ensinar, quando o brasileiro requer escolas que sejam, como a Vida, de aprender; são escolas de professores, quando deveriam ser escolas de alunos; são escolas de repetir, quando deveriam ser escolas de criar, são escolas que se não importam para nada nem com a realidade nem com o ideal brasilei­ro; são finalmente escolas que pesadamente existem, quando o ideal a que deve tender uma escola é exactamente aquele a que deve tender o Estado: o de ser. E só uma economia que exista o menos possível, e só uma escola que exista o menos possível, podem ser a base de uma convivência humana que seja fundada sobre a fraterni­dade e não sobre a lei, sobre a liturgia e não sobre a conquista, sobre o predomínio da vontade de Deus e não sobre o predomínio da vontade do homem. Convivência que poderá ser a maior dádiva do Brasil ao mundo.


In O Estado de São Paulo, S. Paulo, 02/02/1958; in 57, Lisboa, nº 5, Setembro de 1958, p. 21.

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