A vida já me granjeou alguns “banhos de humildade” que vão de alguns pequenos mas significativos desaires passados, causados pelo excesso de confiança, a outros, mais graves, motivados pela credulidade néscia que nos faz acreditar em que não há maus rapazes e más raparigas e, por último, com outros contornos, chamemos-lhe profiláticos, certos exames médicos, a que, parece, a idade obriga, onde a exposição e devassa redundante da nossa intimidade mais íntima são o mote!
Mas, sem dúvida, os mais sérios, profundos e por isso marcantes vêm de Frei Amador Arrais (1530-1600) que ao apresentar a sua tese de doutoramento em Coimbra afirmou que “os ingredientes não são novos, o cozinhado é que é meu” e do Professor Agostinho da Silva (1906-1994) que no seu livro Reflexão à margem da literatura portuguesa (1957) agradece aos mestres que sabiam ler e escrever (vivos ou mortos) - os seus professores e pensadores referência; agradece aos mestres que pouco falam e nada escrevem – os pescadores de Peniche, da Nazaré (…); e, por último, agradece aos mestres que nem falam, nem escrevem - a paisagem de Trás-os-Montes, as ondas do mar (…); terminando com a afirmação:
— Eventualmente é muito mestre para tão pouco acerto!
Vivemos uma circunstância nacional em que “a regra é não haver regras”, destaparam-se incontroláveis Caixas de Pandora, impera a maledicência, a intriga, a traição e o vitupério, num jogo de parada e resposta, de acção e reacção em que o móbil é a vingança, jogo de resultados duvidosos e imprevísíveis, mas de soma zero, quer dizer, jogo em que todos os jogadores, à esquerda e à direita, saem derrotados porque como alguém me disse “a vida é uma maratona, não é uma corrida de 100 metros”. A um nível inferior na escala da maldade, deparamo-nos com a mordacidade dos ignaros, dos pobres de espírito, para quem falar mal de alguém ou o regozijo com a desgraça alheia são o alimento para a alma a precisar de Pastor. A um nível superior na malfadada escala, impera, num sistema de causa efeito, o hábil aproveitamento do mostruário das fraquezas, o favorecimento dos círculos de confiança pessoal alimentados por indissimuladas ambições desmedidas, negociadas em saldos de pré-época por doutores Fausto ambivalentemente de pacotilha. Apenas me cumprindo dizer perante a conjuntura
— Não sei quem é quem!
Pegando nas lições de Amador Arrais e de Agostinho da Silva sugiro que talvez esteja na altura do “regresso aos valores”, aos do eixo da roda, aqueles que não se alteram, que acompanham a roda dos tempos mas não mudam, ensinados pelos mais variados mestres, do ferrador ao mestre de equitação, do pescador, que também era Pedro, ao eruditos que me estabeleceram a suprema meta da autenticidade de tentar “viver como penso e de pensar como vivo”. Valores que vão do profano ao sagrado, valores que estão afixados na parede de um ginásio junto ao cais: "tenta conseguir a perfeição, superar-te, ser fiel aos teus amigos e honrar os teus pais”; valores outros, máximas de uma actividade, moda nos anos 70, que se iniciou, aqui no Montijo, no então Centro Paroquial: “carácter, sinceridade, esforço, etiqueta e controlo”; valores reforçados pela resposta do general comandante da Academia Militar de West Point que, quando perguntado se ali se formavam generais, respondeu:
— Aqui formamos homens de carácter.
Talvez, sem precisar sair do Montijo, concluindo católicamente em terras lusas, fixando-me nos valores que a Igreja Matriz, denominada do Espírito Santo, representa, deva referir, sincretica e ecumenicamente, agora fazendo o apelo ao sagrado, as Virtudes Cardiais da Sapientia (Prudência), que dispõe a razão para discernir o verdadeiro bem e escolher os justos meios para o atingir; da Iustitia (Justiça), que é uma constante e firme vontade de dar aos outros o que lhes é devido; da Fortitude (Força), que assegura a firmeza nas dificuldades e a constância na procura do bem; e da Temperantia (Temperança), que assegura o domínio da vontade sobre os instintos; lembrando os mais esquecidos e contrariando os importadores de conceitos da “teologia de mercado” vigente de que:
— Preço é diferente de Valor.
Não é preciso continuar, está tudo dito, esperemos não a destempo, as referências e os valores enunciados, obrigam à reflexão que o seu significado exige e a interiorização que a condição humana e a comunidade planetária teilhardiana, caminho a seguir, impõem para que a “educação cívica” sustentáculo do desenvolvimento substitua o “ferro com que se mata e sob cujo jugo também se morre”.
Montijo, 7 de Julho de 2012
Carlos carreira
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