Um dito popular no Alentejo sobre lobisomens
“Profanador do Aónio santuário,
Lobisomem do Pindo,
orneia ou brama,
Até findar no Inferno o teu fadário!”
“Os lubis-homens são aqueles que têm o fado ou sina de se despirem de noite no meio de qualquer caminho, principalmente encruzilhada, darem cinco voltas, espojando-se no chão em lugar onde se espojasse algum animal, e em virtude disso transformarem-se na figura do animal pré-espojado. Esta pobre gente não faz mal a ninguém, e só anda cumprindo a sua sina, no que têm uma cenreira mui galante, porque não passam por caminho ou rua, onde haja luzes, senão dando grandes assopros e assobios para se lhas apaguem, de modo que seria a coisa mais fácil deste mundo apanhar em flagrante um lubis-homem, acendendo luzes por todos os lados por onde ele pudesse sair do sítio em que fosse pressentido. É verdade que nenhum dos que contam semelhantes histórias fez a experiência”.
“A porta em que bateu o padre Diniz comunicava para a sala em que estavam duas criadas da duquesa, cabeceando com sono, depois que se fartaram de anotar as excentricidades de sua ama, que, a acreditá-las, há cinco anos que cumpria fado, espécie de Loba-mulher, ou Lobis-homem fêmea, se os há, como nós sinceramente acreditamos.”
O homem, robusto, esculpido pela terra e gasto pelo Sol, arrepia-se muito. Emociona-se, o seu corpo estica-se para além do corpo e volta a ancorar nos ossos. De olhar arregalado e soltando a enxada fita uma segunda vez a menina, fixa-lhe o ser e decide aproximar-se. Passa um fomentado vento negro que ao negrume vem anunciar e gela as criaturas que vivem do perene. As pálpebras da imóvel menina estremecem, levanta as saias num gesto obsceno, revelando a pelugem acabrunhada dos bodes, o sexo animal e inquieto, e, numa corrida selvagem, mistura-se com as cores dos corpos móveis.
O monte, na sua largura, perdeu-a. O homem, incrédulo, questiona os alicerces do mundo e inunda-o o mundo. Concentra-se no quotidiano, fecha a água do tanque, e, dirigindo-se a casa, reflecte. Apunhala-o um uivo de olhar amarelo, súbito e triste, que toma o lugar alarmado de todos os seus pensamentos. Podia-se agora ver a menina, que passeava os cascos nus sobre a neblina nocturna e sorvia o sobrenatural, fazendo-se acompanhada de um lobo da sua altura. A lua menstruada sobre o verde hórrido pintava-os como um quadro demente.
Meteu-se na casa, e pela janela aguardou que o tempo banisse e esquecesse aquele tempo, enquanto observava as duas criaturas pétreas vestidas de céu e erva.
A manhã descobriu-o, com a ousadia desavergonhada que à luz descreve, rasgado pela loucura, histérico e nu.
André Consciência
Na história original o homem acerta um tiro de caçadeira no lobo, e na manhã seguinte um dos seus compadres é encontrado ferido.
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