Eu, enquanto aqui estive, senti-me distante desse pântano em que Portugal só existe para campeonatos de futebol. Eu, aqui, fui português. Não fui, como vós aí, a lembrança apagada de um passado que não merecem, de uma história que não reconhecem, de um presente que aceitam como carneiros.
Eu, aqui, estive com gente que me recorda que podíamos ser outra coisa, que eu (e vocês aí) podíamos ser outra coisa, que Portugal podia ser alguma coisa em vez do último da União, essa porcaria em que vocês vivem e me envergonha. Sei que é assim porque de cada vez que um jovem português vem a Goa e aqui presta atenção diz-me que nós, os mais velhos, lhe roubámos a história e lhe legámos um país ridículo e não o país para que os de cá olham, o país que foi.
Aqui em Goa há quem pense que não somos um país ridículo, há quem pense em nós e pense em séculos. Pergunto: há mais alguém que pense em nós assim? No mundo inteiro? A quem deve Portugal a sua existência no mapa simbólico do mundo? Porque é que, no mundo inteiro, nos conhecem? Não é por causa do futebol. Não é sequer por causa do Brasil. É por causa da Índia. Devemos à Índia a nossa existência simbólica. A nossa principal obrigação colectiva não é para com essa União. Não é para com nada nem ninguém antes de ser para com os portugueses e amigos de Portugal que deixámos na Índia. Devemos-lhes tudo. Em particular, devemos-lhes a única, última, maior razão que temos para nos respeitarmos a nós próprios: graças a eles, houve um tempo em que existimos.
Adeus Goa (e Damão, e Diu, e Cochim, e Baçaim...). Muito obrigado. Não te merecemos. Peço desculpa em nome de todos os meus compatriotas e dos meus governantes que te abandonam ou te esquecem por causa do mais desprezível dos valores, o realismo. Para te merecer, deveríamos fazer muito mais pelo ensino do português na tua terra, muito mais pela tua literatura, a tua arte, a tua música, a tua gente, devíamos tratar-te como a jóia da nossa coroa. Peço-te desculpa pela nossa fraqueza.
E saúdo-te em nome de todos os nossos que te amam. Não somos muitos, cidadãos de todos os dias, algumas fundações, alguns esforçados funcionários do Instituto Camões, alguns diplomatas amorosos de ti. Mas é em nome de nós que te escrevo, estes que não te esquecem, te querem mais do que tu te queres a ti própria, te respeitam mais do que tu te respeitas a ti própria, os que não desistem de ti. Não para reclamar a tua posse mas para, em ti, recuperarmos a grandeza que nos escapou um dia, sabe-se lá porquê.
(publicado no dia 26 de Agosto de 2009 no Público)
2 comentários:
Um murro no estômago. Para engolir em seco...
Excelente artigo.
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