Sem pudor, a professora de Língua Portuguesa - já com 34 anos de experiência - dirige duras críticas ao baixo nível de exigência do actual sistema de ensino, aos professores, aos sucessivos Governos, às escolas. No dia em que arranca a primeira fase dos exames nacionais do ensino secundário, o SAPO foi ouvi-la.
Defende que as más práticas no sistema educativo já se arrastam desde 2003. Aponta o dedo a algum Governo em particular?
Fui professora a partir de 74/75 e o que se reparava é que, na década de 80, estas teorias já estavam em voga. Se os alunos atingissem os objectivos mínimos, podiam passar – e os objectivos mínimos eram nada. Os alunos foram passando sem saber nada. Este miserabilismo começou nessa altura e agora acentuou-se. Acentuou-se em 2003/2004 com a implementação desta nova reforma. Desde aí, tem sido uma ‘guerra’...
De que resultam estas más opções em matéria de política educativa?
É evidente que neste momento se trabalha para as estatísticas. Houve o desejo de impor uma série de teorias de pedagogia que são perfeitamente caducas. É contra essas teorias que são defensoras da apologia do presente, dos programas televisivos, da subestimação da literatura que eu me pronuncio, porque não condizem com os interesses dos alunos. E as grandes vítimas de tudo isto são os alunos, enquanto o Ministério está a desrespeitar a sua função de Ministério.
Por isso, defende no seu livro que algumas práticas educativas tradicionais deveriam ser retomadas?
Por exemplo, quando se diz que não se deve memorizar, está a pôr-se em causa uma capacidade incrível das crianças que é a memória e a tabuada é para memorizar. Por isso mesmo, é que eu tenho alunos de 12.º ano que às vezes nem sabem quanto é 9x3. Há alunos que não me sabem conjugar os verbos: só me dizem presente, passado e futuro. E isso é porque não se estuda a gramática desde o início.
Diz que a falta de paz no sistema educativo contribuiu para a degradação da sua qualidade. Ainda assim, pede aos professores que desobedeçam às actuais directivas. Em que ficamos?
Esta ‘guerra’ foi suscitada pela imposição de tanta novidade. Era o novo só pelo novo e os professores nunca foram convidados a intervir. Só uma facção – aquela que era a favor destas novas teorias. O que eu peço no meu livro é que é preciso desobedecer a isto: não posso obedecer a quem me vem dizer que eu tenho de ser compreensiva com os erros ortográficos. A paz é um bem essencial para se ensinar, mas se obedecermos a tudo isto, estamos a abandalhar a nossa profissão e isto não é correcto, nem connosco, nem com os próprios alunos. Há momentos em que é forçoso desobedecer, nem que nos ameacem. A mim ameaçaram-me várias vezes…
Quem a ameaçou? Pais?
Não. (silêncio)
O sistema?
O sistema, precisamente.
Mais recentemente, criticou também o programa Novas Oportunidades, pelo facilitismo com que atribuiu competências…
Trata-se de uma fraude e de uma falta de respeito para com as pessoas que acreditaram no programa, Conheço inúmeros alunos que pensavam que voltavam à escola para aprender e aperceberam-se de que não iam aprender nada. Não se faz o 7.º, 8.º e 9.º em três meses, não se faz o 10.º, 11.º e 12.º ano em seis meses. Isto não tem qualquer equivalência, porque se esses alunos fossem questionados, não sobre as matérias até do 10.º,11.º e 12.º, mas sobre qualquer coisa minimamente inteligente, estavam a zero. Eles são a personificação da ignorância, mas uma ignorância que é fomentada pelo próprio sistema e, por isso mesmo, eu digo: é preciso desobedecer a isto.
Fonte: http://noticias.sapo.pt/info/artigo/1071907.html
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