É de grande complexidade a definição de uma obra de arte, e não querendo imiscuir-me em alongadas discussões académicas, deixo aqui esta simples enunciação conceptual: uma obra de arte é o produto de qualquer um dos domínios da criação estética ou simbólica do Homem ( literatura, música, teatro, artes plásticas, artes decorativas, sétima arte, arquitectura, etc) .
Desde os tempos mais recônditos da Pré-História, durante o Paleolítico, o Homem inventou maneiras de se exprimir simbolicamente através de pinturas rupestres, ou de pequenas estatuetas, que representavam elementos fundamentais da sobrevivência humana. Já, nesta época, se faziam sentir, pois, as necessidades de expressão artística, não obstante a sua forte ligação com as iminentes necessidades de ordem material. Este relevante instinto humano faz-nos compreender a verdade da afirmação Bíblica: “nem só de pão vive o Homem”…
Numa segunda fase da História da Humanidade, em particular com a Civilização Helénica nasce a dimensão estética da arte associada à humana capacidade de reflexão . Neste período predomina em toda a criação artística um conjunto de cânones (ordem, equilíbrio, proporcionalidade, simetria, estabilidade, etc) que concorrem para uma beleza ideal visando a harmonização do corpo e do espírito. Atingindo-se, deste modo, o clímax do desenvolvimento artístico da Humanidade.
Na época contemporânea, durante o século XX, com a multiplicação dos estilos artísticos, por exemplo na pintura, entrou-se numa dinâmica destrutiva dos antigos cânones clássicos, dando-se primazia à subjectividade criativa. Esta tendência desconstrutivista desembocou na “fabricação” de obras de arte polémicas, e bem provocadoras, da consciência pública. Artistas como José Sobral de Almada Negreiros , em Portugal, ou Salvador Domingo Felipe Jacinto Dalí i Domènech, em Espanha, foram peritos nas polémicas e provocações que lançaram na opinião pública portuguesa e europeia, embora as suas obras-primas tenham fugido destes seus critérios de ruptura canónica.
A inspiração do criador de arte é a essência do trabalho espiritual, pois este é um dos elementos que traduz a qualidade da obra realizada. A invenção de um novo patamar simbólico e/ou, principalmente, estético pode alavancar o artista, ou a sua obra de arte, ao estrelato.
Os bons materiais e as operações mecânicas de precisão manual fazem um artesão, mas não fazem um artista de génio. No entanto, sem a associação airosa, dos conhecimentos técnicos e da inspirada criatividade, a obra de arte parece, muitas vezes, um embuste com que se sentem justamente indignados muitos cidadãos. É, assim, esta magistral síntese, qual centelha do divino, que permite alguns homens criarem obras de arte, embora o “esforço, suor e lágrimas” não permita a muitos outros homens, aprendizes de artistas, ultrapassarem a velha dicotomia entre “corpo e espírito”.
Wim Wenders no seu filme “As Asas do Desejo” (1987) dá-nos conta desta ambivalente emoção: “(…) É fantástico viver espiritualmente. Dia após dia testemunhar para a eternidade o que há de puro, de espiritual nas pessoas, mas gostaria de não pairar eternamente. (…) Não me entusiasmar só com as coisas do espírito (…) Experimentar o que se sente quando se tiram os sapatos debaixo da mesa e se estendem os dedos descalços. (…)”.
Miguel Ângelo di Ludovico Buonarroti Simoni foi um genial artista do Renascimento, porque conseguiu aliar uma apurada técnica, denotando elevado perfeccionismo, com uma expressiva criatividade que se manifesta, de forma bem evidente, na escultura “Pietá”. Irradia, desta obra de arte, uma expressividade emocional que tocou, os seus mecenas e o público em geral, ao longo dos últimos séculos.
Marcel Duchamp foi um escultor francês, muito indolente, do início do século XX, segundo nos contam os estudos mais recentes, oriundo de uma afamada família de artistas, que inventou o conceito artístico de “Ready made” ao imprimir às suas esculturas um arrojo provocador de excentricidade na utilização de objectos de uso comum, sem os trabalhar, nas suas obras. Causou estupefacta sensação a apresentação pública da sua obra simbólica intitulada “A fonte” resultante do reaproveitamento inestético de um urinol.
Joana Vasconcelos é uma jovem e promissora escultora portuguesa que, partindo de uma das premissas do “Ready made” – a utilização de objectos comuns, conseguiu pôr a criatividade ao serviço do seu labor artístico que lhe tem permitido forjar obras com um bafejado sentido simbólico e estético. É disso exemplo, “o sapato” prateado (patente no Museu Berardo do CCB), feito da harmoniosa junção de tachos, que permite à peça compaginar estes inestimáveis valores. Advém daí, o enorme reconhecimento nacional e internacional que está a receber, na actualidade, o seu trabalho com a conquista de Prémios importantes e a venda de algumas das suas peças a montantes exorbitantes.
Para finalizar estas considerações, direi que uma obra de arte tem tanto mais valor patrimonial quanto mais a sua marca histórica nos ensina algo.
Nuno Sotto Mayor Ferrão
Publicado originalmente e com notas acrescidas em 9 de Abril de 2010:
http://www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt/
4 comentários:
ah...é que há as artes e as BELAS-artes
e as malas-artes.
Luis Vuitton, por exemplo.
Caríssimos companheiros mil-itantes Vítor e Casimiro,
sem dúvida que como nos diz a sabedoria popular "gostos não se discutem"...
Todavia, a sensibilidade e conhecimento aprofundado dos estudos de História da Arte dir-nos-ão, no futuro, o que fará parte dos núcleos artísticos imperdíveis... A diferença entre as artes e as belas-artes é, pois, fundamental, bem como a diferença entre a arte e o puro marketing dos artistas que hoje em dia é muito forte!
Quanto às malas-artes poderão ser até um objecto artístico, mas julgo que, não obstante possa ter o desenho dum artista, como é fabricada em série não fará parte dos mostruários dos futuros Museus de Arte...Agradeço os vossos sucintos e incisivos comentários!
Um abraço, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt
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