Quem é que, quando era estudante, não lhe sabia bem, uma falta dada por um professor? Creio que ninguém. Pelo menos a mim, saía-me a sorte grande! Então, e se em vez de uma aula, fosse uma tarde inteira? Bem, isso era o paraíso! Parafraseando o filósofo Agostinho da Silva, «O Homem não foi feito para trabalhar».
Serve esta introdução para falar de um episódio da minha longa vida de estudante que, me ficou atravessado como uma enorme espinha na minha garganta.
Andava eu no meu 2º ano (o actual 6º de escolaridade), estávamos em 1961, quando Henrique Galvão e o seu comando se apoderaram do navio ‘Santa Maria’, com o objectivo de chamar a atenção do mundo para a ditadura existente em Portugal.
Henrique Galvão, um antigo membro das forças armadas portuguesas de que fora expulso em 1952, depois de ocupar altos cargos no regime, preso pela PIDE em 1958 e que conseguira fugir no ano seguinte, acabara de entrar em rota de colisão com o ditador Salazar, tomou o navio ‘Santa Maria’ e, durante dias, aquele espaço a boiar sobre as águas do oceano foi uma dor de cabeça para o chefe do Estado Novo que, parece ter pedido a ajuda da marinha norte-americana para afundar o barco.
Os americanos acabaram por não se meter e, Galvão por entregar o ‘Santa Maria’, uma vez que já cumprira os objectivos a que se propusera.
Salazar fez, então, uma hipócrita operação de charme apoiada nos ‘medias’, e assim, apareceu numa televisão tão cinzentona como o regime, a proclamar aos quatro ventos, com a sua execrável voz de seminarista falso: “Portugueses, o ‘Santa Maria’ está connosco!”
O que me interessava a mim, que tinha dez para onze anos, e a milhares de portugueses, que o ditador tivesse recuperado o navio? Absolutamente nada! No entanto, a chegada do ‘Santa Maria’ a Lisboa, dias depois, já teve imenso interesse, porque o Estado Novo, continuando a sua campanha de cosmética e de propaganda, autorizou que todos os estabelecimentos de ensino encerrassem de tarde, para que alunos, professores e contínuos pudessem visitar o pedaço de Portugal que tinha sido raptado.
Claro que todos os meus amigos de Paço de Arcos que frequentavam o Liceu de Oeiras, tiveram uma tarde de férias. E se fazia sol!, lembro-me bem. E essa recordação inesquecível vem-me do facto, de eu, ter de ‘gramar’ uma tarde de aulas, ainda mais chata que o habitual, pois sabia que todos os meus amigos estavam à boa vida.
Daqui conclui-se que, neste ano, eu não frequentava um estabelecimento de ensino oficial, mas sim um colégio particular, mais precisamente os Salesianos no Estoril, onde não havia feriados para ninguém.
E ainda dizem que a Igreja Católica estava de mãos dadas com o Estado Novo! Aldrabões! Pelo menos neste caso não esteve.
Os ‘padrecas’ roubaram-me um dia de férias! Nem ‘Santa Maria’ me valeu!
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