Visto a partir da Europa, desta
Europa cada vez mais ateia e relativista no plano ético-moral, o Brasil parece
um lugar cada vez mais estranho. Não só o Brasil, decerto, mas toda a América Latina.
Mas centremo-nos por agora no Brasil, a propósito das suas recentes Eleições
Presidenciais.
Mais do que outro tipo de
questões, o que mais esteve em causa nesta campanha foram questões da ordem dos
costumes e das crenças religiosas. Jair Bolsonaro procurou apresentar-se como o
porta-voz natural dessa ampla maioria social-religiosa. Lula da Silva, nesse
aspecto, esteve, durante toda a campanha eleitoral, sempre mais na defensiva,
salvaguardando que não iria pôr em causa essa agenda. Lembre-se o que disse
sobre a questão do aborto e como, na noite da vitória, agradeceu, antes de tudo
o mais, “a Deus”.
Face a essa ampla maioria
social-religiosa, Jair Bolsonaro perdeu, ainda que por pouco, porque esteve
muito longe de conseguir ser o porta-voz natural dessa ampla maioria, apesar da
sua moderação final, em que inclusivamente se desfez em desculpas pelas suas
declarações mais incendiárias durante a sua presidência. Lula da Silva conseguiu
ganhar porque extravasou em muito a sua base inicial de apoio, à partida assaz
minoritária.
Lula da Silva provou, uma vez
mais, ser um político sagaz, contrariando até os impulsos mais principiais do
seu partido – se o Partido dos Trabalhadores mantém a sua simpatia de sempre
por regimes como o de Cuba ou o da Venezuela, o candidato vencedor nestas
eleições sabe perfeitamente que no Brasil este tipo de regimes é por inteiro
inexequível. O Brasil é um país demasiado grande e, nos dias de hoje,
heterogéneo para poder ficar refém de um qualquer regime de partido único, seja
ele mais à esquerda ou à direita. Por isso, sempre nos pareceram por inteiro
fantasmáticas as ameaças de que isso pudesse vir a acontecer.
Também não temos dúvidas de que,
na relação com Portugal, Lula da Silva irá contrariar os impulsos mais principiais
do seu partido, na sua retórica anti-europeia em geral e anti-portuguesa em
particular, uma vez mais vinda à tona neste ano do bicentenário da
independência do Brasil. Aqui em contraste com Dilma Rousseff, descendente de
um búlgaro, que nunca teve em Portugal uma referência afectiva, Lula da Silva
gosta genuinamente de Portugal, como já provou nos seus dois mandatos
anteriores. Esperamos pois desta presidência um novo impulso na relação do
Brasil com Portugal e os demais países lusófonos.
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