As diversas classificações (rankings) que pretendem medir as comparações internacionais são elaboradas por critérios que não podem medir as específicas disposições nacionais. Assim como as estatísticas, quaisquer, que assinalem o per capita, não alcançam a visualizar o que acontece de facto. São indispensáveis, os números de grande escala (macro) para a inferência internacional, mas não podem relacionar-se com o acontecimento, as vidas das pessoas. Não podemos passar sem estes números mas tampouco poderemos passar para um discurso político e uma Política credível, sem inferências características de caráter nacional, que estão aquém e além dos números.
O desenvolvimento (sustentável) depende de planeamento geracional – de pensamento estratégico, da monitorização de suas execuções, e, do reconhecimento que os recursos naturais são finitos. Desenvolvimento – transparência na governação, produtividade e qualidade de vida – pode ser confundido com crescimento económico, este depende do consumo crescente de energia e recursos naturais, já o desenvolvimento depende sobretudo da instrução, de estratégias para médio e longo prazo, de incentivos estatais, da aglomeração de empresas sob desígnios estratégicos nacionais.
Portugal está, em muitos e indispensáveis aspetos, cívicos ou de produção de tecnologia disruptiva, na vanguarda, na europa e no mundo. Porém, os meios de comunicação de massa, ao focarem-se em aspetos do que de pior acontece dentro de portas não realizam a comparação com outros países. O contraste entre o passado de há 40 anos e o presente de Portugal favorece-nos.
É verdade, falhámos as duas primeiras revoluções industriais (a do carvão/ferro e a do petróleo/plásticos), e agora, na era da informação, em que as sociedades experimentam uma revolução de costumes, as ciências humanas são abandonadas. Por exemplo, em 1983, qualquer demógrafo diria que seria um erro, algo impensável, o alargamento da oferta em muitas e novas universidades (não me refiro ao setor privado). A decisão política apostou no alargamento da classe média, e, apenas a autonomia de algumas Universidades e Politécnicos conseguiu separar a excelência da mediocridade.
Temos dificuldade em acompanhar tudo, é certo, talvez pelo pior defeito que nos tem atingido a todos: o problema principal é de caráter político. E é tão simples a sua resolução: para termos bons estadistas, e de liderança efetiva, mais que tudo é necessário saber ouvir! E saber ouvir um pouco além dos noticiários! Há anos, numa entrevista a uma rádio portuguesa, dizia um autarca que, desde o 25 de Abril de 1974, nunca mais pôde ler um livro… tais eram as solicitações dos dias. Isso claramente significava a não delegação de competências. Já não está essa personagem autárquica há muitos anos em funções, devido ao limite dos três mandatos consecutivos, e, felizmente, pois na sua área de atuação, nesse Concelho, a corrupção baixou drasticamente. Esta personagem teve condenação em Tribunal, já não sei exatamente porquê, e, apenas não a nomeio pessoalmente, pois esta reflexão não é de índole partidária, de outro modo, se o nomeasse, assim poderia ser entendida.
A nossa demografia, e os nossos traços “patogénicos”, que, chamando os bois pelos nomes, é a corrupção e uma classe média pouco empreendedora, quase toda ligada à Administração do Estado, são óbices muito difíceis de superar e exigem, não apenas muito tempo com estratégias políticas consensuais e a executar e monitorizar consecutivamente, independentemente dos partidos no Executivo. As políticas que por consenso democrático usufruíram de continuidade, e foram efetivamente prosseguidas, guindaram-nos aos melhores lugares na comparação internacional. É o caso dos cuidados materno-infantis, é o caso da investigação científica e das infraestruturas de comunicação viária e digital, do desporto em geral e do futebol. Políticas concretizadas por vários governos e por diferentes partidos são hoje políticas de sucesso.
Tivemos três repúblicas até agora, a primeira em 05 de Outubro de1910, até ao golpe de estado de 28 de Maio de 1926, a segunda daí até ao 25 de Abril de 74, e a terceira desde 1974 até agora. Pela sua sucessão tumultuosa, pela ausência de realização das expetativas sociais, tornou-se evidente a necessidade de uma revisão. Algumas das mais nefastas experiências passadas foram felizmente extinguidas. O individualismo político não subsistiu na primeira república. A desordem social e política da primeira república não sucedeu na sua seguinte formulação, e na terceira república não houve tanta perseguição aos adeptos da segunda e, cada vez mais, a estabilidade dos Executivos nos seus mandatos tem sido afirmada. A credibilidade do País no exterior tem sido assegurada. E tudo, mas tudo teremos de moderar para que não se toque neste crédito adquirido a muito custo. Especialmente com o trabalho de diplomatas e com o sacrifício do contribuinte.
Formas de combate político insultuosa estão a ser, felizmente com sucesso, subtraídas de nossa convivência. A tolerância política e a consequente convivência democrática são a herança mais bela e frutífera deste passado recente, e, os seus inversos, o individualismo, a intolerância, o revolucionarismo estão ausentes do efetivo conflito político. Todavia, temos de excetuar infelizmente partidos da extrema esquerda que pretendem ainda usar as nacionalizações de grandes empresas de modo a pressionar os governos por um sindicalismo que responde apenas a cúpulas partidárias e, em última instância, poderem sabotar o País.
Causas graves do impasse da sociedade portuguesa no século XIX e XX, como o foram também em muitas outras sociedades europeias, têm a haver com a falta de consensos alargados e a prossecução continuada de objetivos sociais e políticos. Ainda durante o século XX assistimos às medonhas réplicas, sobretudo pela via das ditaduras à esquerda e à direita. Se não fosse o agressivo internacionalismo comunista tampouco teria havido fascismo...
Hoje convivemos democraticamente, sem que as maiorias esmaguem as minorias. A nossa sociedade é plural, mas, há muito se tornou evidente a falta de uma organização do sistema político conveniente à eficácia dos objetivos democráticos, dos desígnios estratégicos e propósitos Políticos. É necessário continuar com firmeza o que politicamente se tem mostrado eficaz, mas é também necessário sermos capazes de profundas reestruturações.
Enquanto se reformula a nossa cultura social, perante a nova economia sustentável, temos de realizar referências estáveis ao nosso viver democrático, de outro modo, continuará o que tem sido expresso como problema. Repito: todos os nossos principais sucessos e insucessos têm sido de caráter Político, nomeadamente, de Executivos que creem e aparentam ser o cume da inteligência, infantilizando a nossa cidadania, fazendo-se passar por salvadores… Já Alexandre Herculano e Almeida Garrett isto indicaram.
Considero que a democracia portuguesa alcançou uma idade de passagem. Para transformarmos a situação presente, que envolve problemas sociais, ambientais e económicos, muito graves e profundíssimos, para operar uma transformação requerida para o desenvolvimento sustentável, a nível nacional e na pertença à União Europeia, as respostas adequadas terão de ser perspetivadas, já não com remendo sobre remendo, mas por resposta democrática e por propostas e respostas portuguesas.
O desenho estrutural das políticas revela instabilidades, resultando em frequentes irresoluções, dilações e retornos. As reformas e as regulações não têm sido nem ágeis nem faseadas, de modo a suavizar inconvenientes de adaptação delas derivadas. Sem perspetivas de longo prazo, o custo da mudança é maximizado e a eficácia Política é minimizada, e, enquanto os recursos e as circunstâncias oscilam, os objetivos sociais e políticos são dispersados.
Sem um eixo favorável ao consenso estratégico e à monitorização de suas implementações, sem o qual a recuperação económica, o reforço das produções para as necessárias transações, a abertura externa para a modernização, e o cultivo do endógeno como fator de compensação, sem a orientação do investimento público também para a produção de pensamento estratégico, tão determinante para o bem comum, tudo oscila, definha e se perde.
As questões que se põem vulgarmente com vigor e estranheza acerca da atividade política indicam, generalizadamente, falta de competências. A meu ver, essas acusações falham, sobretudo por não indicarem antes a falta de organização que estimule as competências e para que as competências atuem eficazmente. Note-se que a organização é a mais antiga e eficaz técnica humana.
Penso que as circunstâncias presentes e a experiência havida permitem que as gerações presentes e futuras proporcionem uma afirmação fecunda, no sentido de afirmar uma estrutura política democrática adequada aos processos de alternativa, de viragem, mas também ao consenso, ao que é considerado, pelo democrático, essencial.
Pedro F. Correia
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