1. No final do primeiro
trimestre deste ano, fui “Co-investigador Responsável” de um projecto submetido
à FCT: Fundação para a Ciência e a Tecnologia, a entidade que, em Portugal,
gere os fundos de apoio à investigação científica. Esse projecto visava,
expressamente, dar a conhecer, em particular junto do público não lusófono, a
obra de alguns dos mais significativos pensadores portugueses contemporâneos,
sendo que a selecção, o estudo e o enquadramento dos textos se faria a partir
de questões temáticas, conforme o seguinte esquema:
I – Amorim
Viana (1822 – 1901): Filosofia, Ciência e Religião; Cunha Seixas (1836 - 1895):
O Pantiteísmo; Sampaio Bruno (1857 – 1915): A questão do Mal; Leonardo Coimbra
(1883-1936): Idealismo e Realismo; Fernando Pessoa (1888 – 1935): Identidade do
Sujeito; Raul Proença (1884 – 1941): Progresso e Eterno Retorno; Teixeira de
Pascoaes (1877-1952): A Natureza e o Sagrado.
II – António
Sérgio (1883 – 1969): Filosofia, Ética e Política; Fidelino de Figueiredo (1988-1967):
Filosofia e Literatura; Almada Negreiros (1893-1970): Filosofia e Estética; Delfim
Santos (1907 – 1966): Onto-fenomenologia; José Marinho (1904 – 1975):
Metafísica e Religião; Álvaro Ribeiro (1905 – 1981): Ontologia e Antropologia; Eudoro
de Sousa (1911 – 1987): Filosofia e Mito.
III – Agostinho
da Silva (1906 – 1994): Filosofia, História e Cultura; Vergílio Ferreira (1916
– 1996): Consciência e Existência; Dalila Pereira da Costa (1918-2012): Mística
e Teologia; José Enes (1924-2013): Linguagem e Ser; Miguel Baptista Pereira
(1929-2007): Fenomenologia e Hermenêutica; Fernando Gil (1937 - 2006):
Filosofia do Conhecimento; Eduardo Lourenço (1923 - ): Filosofia e Poesia.
Ainda segundo o projecto
apresentado, cada Bloco iniciar-se-ia com uma análise do contexto
histórico-político-filosófico nacional do período contemplado, que deveria
enquadrar não apenas os autores seleccionados na Antologia, como referir ainda
outros autores relevantes do mesmo período temporal, bem como as correntes
filosófico-culturais mais significativas. Nesse enquadramento, iríamos
igualmente investigar alguns nexos filosóficos entre os autores portugueses
seleccionados e outros filósofos não portugueses, extravasando assim uma visão
auto-centrada do nosso universo filosófico.
Através da tradução para
inglês de todo esse trabalho, o universo de potenciais interessados
alargar-se-ia de forma exponencial, considerando a acessibilidade permitida
pelo sítio “on-line”, a criar para o efeito, disponível para “tablets” e
telefones portáteis. A Antologia “on-line” integraria ainda outras plataformas,
de modo a exponenciar uma maior disseminação dos resultados – para tal, haveria
cruzamentos de “links” com outros sítios de referência, nacionais e
internacionais. Em suma, este projecto visava colmatar uma lacuna
recorrentemente apontada por investigadores não lusófonos da área de filosofia:
a da inexistência de um corpus
filosófico representativo do pensamento português contemporâneo devidamente
estudado, enquadrado e traduzido para inglês.
2. No início deste mês de
Novembro, recebemos finalmente a avaliação da FCT. Segundo esta, o projecto
“inclui trabalhos sobre todos os assuntos filosóficos, desde metafísica,
epistemologia, ética, religião e estética, trazendo ao público leitor de inglês
a atenção para filósofos portugueses pouco conhecidos - como tal, é inovador e
oportuno” (“It includes work on all philosophical subjects from metaphysics,
epistemology, ethics to religion and aesthetics. It brings to the English reading public
attention to little known Portuguese philosophers . As such it is innovative
and timely given”).
Mais – segundo a avaliação, os investigadores
responsáveis “têm amplo conhecimento e experiência na filosofia portuguesa e
uma boa produção de publicações, portanto, estão bem posicionados para
determinar a escolha dos autores para as colecções e para supervisionar o
projecto de forma mais ampla” (“the PI and co PI both have extensive knowledge
and expertise in Portuguese philosophy and a good output of publications, so
are well placed to determine the choice of authors for the collections and to
oversee the project more broadly”). Mais – ainda segundo a avaliação, “o
projecto tem um bom plano de coordenação, planeamento, controle de orçamento e
solução de problemas” (“the project has a good plan for coordination, planning,
budget control, and addressing issues”).
Não obstante todas essas
considerações assaz elogiosas, o Painel de avaliação não recomendou o
financiamento do projecto (“Not Recommended for Funding”). E porquê?! Em suma,
pelo alegado “impacto bastante limitado” (“rather limited impact”), dado que,
citamos ainda, “será, de modo provável, relativamente raro que leitores não
portugueses consultem” (“it will probably be relatively rare that
non-Portuguese readers will consult”) a obra produzida – no essencial, três
livros a serem colocadas no sítio “on-line”, onde as antologias de textos dos
pensadores escolhidos seriam devidamente acompanhadas por um enquadramento
hermenêutico, conforme o referido.
Face a tudo isto, resta-nos pois
concluir que a entidade que, em Portugal, gere os fundos de apoio à
investigação científica aceita a premissa de que o pensamento filosófico
português não despertará o interesse de qualquer pessoa para além do universo
lusófono (senão “raramente”). Com efeito, o Painel de avaliação não contestou
nenhum dos autores e/ou temas indicados na Antologia – como poderia ter feito,
já que, obviamente, todas as escolhas são discutíveis. Não – concluiu apenas
que, qualquer que tivesse sido a escolha, o projecto não deveria ser financiado…
Face a tudo isto, resta-nos pois concluir que a entidade que, em Portugal, gere
os fundos de apoio à investigação científica não defende minimamente o nosso
pensamento filosófico, antes promove, expressamente, a nossa castração mental. Ora,
não será igualmente esta forma de castração – perguntamos – inconstitucional?
Renato Epifânio
Presidente
do MIL: Movimento Internacional Lusófono
2 comentários:
São as conhecidas profecias que se auto-realizam...
Lamentável e atentatório dos interesses fundamentais da nossa cultura.
Pelo exposto,infere-se que os escopos temáticos foram relegados a segundo plano, frustrando o pesquisador.
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