*É um Lusófono com L grande? Então adira ao MIL: vamos criar a Comunidade Lusófona!*

MIL: Movimento Internacional Lusófono | Nova Águia


Apoiado por muitas das mais relevantes personalidades da nossa sociedade civil, o MIL é um movimento cultural e cívico registado notarialmente no dia quinze de Outubro de 2010, que conta já com mais de uma centena de milhares de adesões de todos os países e regiões do espaço lusófono. Entre os nossos órgãos, eleitos em Assembleia Geral, inclui-se um Conselho Consultivo, constituído por mais de meia centena de pessoas, representando todo o espaço da lusofonia. Defendemos o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço lusófono – a todos os níveis: cultural, social, económico e político –, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma verdadeira comunidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade.
SEDE: Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa)
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NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI

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"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

Nenhuma direita se salvará se não for de esquerda no social e no económico; o mesmo para a esquerda, se não for de direita no histórico e no metafísico (in Caderno Três, inédito)

A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo (in Cortina 1, inédito)

Agostinho da Silva

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Luso-tropicalismo e Lusofonia


É absolutamente extraordinária a cadeia de reacções espoletada pela morte de norte-americano George Floyd, no final de Maio. Decerto, a escala dessa cadeia deve-se também ao particular contexto pandémico em que vivemos. Com tanta gente desempregada e/ou saturada de confinamentos, aquela morte escancarou a porta para a explosão de uma raiva recalcada por muito tempo. Para mais, sabe-se que a comunidade afro-americana tem sido a mais afectada por esta pandemia.
Dada a magnitude dessa erupção, não foram surpreendentes as réplicas que se têm sentido em todo o mundo ocidental, desde logo na Europa. Em Portugal, o episódio de vandalização da estátua do Padre António Vieira, na primeira quinzena de Junho, foi o “clique” definitivo para que todo o debate sobre o colonialismo, o esclavagismo e o racismo também irrompesse, pujantemente, entre nós.
De entre os muitos textos entretanto publicados, permitam-nos que destaque um, pela positiva: “O fim do luso-tropicalismo?”, de José Pedro Zúquete (Público, 24.06.2020). Isto apesar de algumas reservas, de forma e de fundo, a algumas das suas teses, que iremos aqui enunciar, sobretudo pela equivalência conceptual, a nosso ver equívoca, que o autor estabelece entre “luso-tropicalismo” e “lusofonia”: «Antes falava-se em luso-tropicalismo, agora fala-se em lusofonia. Mas a matriz dos dois é a mesma: são nomes diferentes para o mesmo nacionalismo cultural que, ainda hoje, é a ideologia oficial do Estado português».
Mas comecemos pelo princípio – nas palavras de JPZ: «A primeira geração de políticos do pós-25 de Abril dedicou-se de alma e coração a exaltar o “destino” europeu de Portugal. E fê-lo como nunca tinha sido feito ao longo da história. Em 1976, num discurso no Conselho da Europa, José Medeiros Ferreira foi lapidar: com o 25 de Abril “Portugal volta por fim oficialmente à convivência com a Europa”. Esse era “um acto” que exprimia “a consciência do nosso destino histórico”. Era, nas palavras do então ministro dos Negócios Estrangeiros, “o regresso de Portugal às suas raízes continentais”».
Ou seja, dando aqui razão a JPZ: a Revolução de Abril pretendeu estabelecer um corte conceptual, mas não apenas – esse é o ponto – relativamente à concepção de Portugal do Estado Novo. O diferendo não é de todo esse, ou, mais exactamente, é muito mais amplo do que esse. É por isso que, ainda hoje, existem pessoas (algumas das quais conhecemos bem) que, tendo sido oposicionistas ao Estado Novo, por, entre outras razões, não ter antecipado a descolonização, nem por isso consideram que a concepção exclusivamente europeia de Portugal seja a melhor. Sem que isso signifique, desde já se esclareça esse outro equívoco recorrente, que a “aposta lusófona” seja incompatível com a “aposta europeia”. Bem pelo contrário: a nosso ver, são perfeitamente complementares.
Foi também por isso que algumas posições mais extremadas do PREC (Processo Revolucionário em Curso), no pós 25 de Abril, não tiveram desenvolvimento real entre nós. Apesar de ter havido quem clamasse que “Camões também era colonialista”, não houve de facto (como ainda hoje não há), nenhuma maioria que sancionasse esse rompimento com a nossa história que agora alguns, aproveitando esta aparente oportunidade, pretendem de novo promover. Os portugueses, em geral, não têm nenhum mal-estar com a nossa história. Reconhecem, decerto, que os Descobrimentos tiveram, à luz dos valores de hoje, aspectos censuráveis. Mas não estão dispostos, e bem, a fazer tábua rasa de todo o nosso passado.
Porque, em última instância, é disso mesmo que se trata. E por isso não espanta que, nos Estados Unidos da América, as estátuas de Cristóvão Colombo tenham sido também visadas. A mensagem é óbvia: “Toda a história dos EUA é um erro”. Ainda que seja igualmente uma mensagem inconsequente – pois, como se poderia realmente remendar esse erro? Devolvendo toda a população “branca” à Europa? E toda a população “negra” a África? Obviamente, não é possível esse “recomeço” da história. Não é possível nos EUA nem em nenhum outro país do mundo. Em Portugal, isso significaria o quê? Querer recuar aos tempos prévios à “invasão dos romanos”?!... Mas deixemo-nos de perguntas ociosas e regressemos à tese principal de JPZ: a da equivalência conceptual que o autor estabelece entre “luso-tropicalismo” e “lusofonia”.
A nosso ver, com efeito, há aqui um equívoco de base: é que “luso-tropicalismo” foi afirmado para perpetuar o status quo colonial. Ou seja, corresponde a um paradigma definitivamente ultrapassado pela história (chamemos-lhe aqui o “paradigma do 24 de Abril”). Sobre isso, qualquer discussão é igualmente ociosa: mesmo entre aqueles que consideram que o processo de descolonização foi “exemplar” (leia-se: “exemplarmente mau”), não há ninguém que seriamente acredite que seja possível qualquer espécie de regresso ao passado. Independentemente dos méritos ou deméritos da teoria luso-tropicalista e, sobretudo, da distância que sempre houve entre a teoria e prática – por mais que, apesar de tudo, nunca tenhamos construído um regime como o do “Apartheid” sul-africano –, a descolonização ocorreu e é irreversível.
Tendo sido esse o “paradigma do 24 de Abril” e tendo nós já aqui visto o “paradigma do 25 de Abril” - a concepção exclusivamente europeia de Portugal –, resta então falar sobre o conceito de Lusofonia, que aqui iremos considerar como o “paradigma do 26 de Abril”. Ainda que, naturalmente, com diversas nuances, este tem-se afirmado progressivamente nas últimas décadas à luz de algumas premissas – no essencial, três: mal ou bem, a descolonização ocorreu e é irreversível; não obstante, os países independentes que partilham esse mesma língua, cultura e história (entretanto agregados na CPLP: Comunidades dos Países de Língua Portuguesa) podem e devem cooperar (muito mais), em benefício próprio; essa cooperação não é exclusivista, ou seja, não se faz necessariamente por exclusão de outras: no caso de Portugal, conforme o já aqui referido, em relação à União Europeia; no caso do Brasil, em relação ao MERCOSUL; no caso de Timor-Leste, em relação à ASEAN; no caso dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), em relação a outras plataformas regionais.
Dito isto, há uma observação de JPZ que me parece muito certeira e lúcida. Há, de facto, “novas gerações – da Esquerda e da Direita” que não se reconhecem, de todo, neste horizonte. À Esquerda, porque consideram que todo o processo de expansão marítima foi um erro absoluto – pelo que, ainda que não defendam (em público) a destruição do Padrão dos Descobrimentos, renegam e estigmatizam a Lusofonia, vista como o resultado de uma história em que não se reconhecem, como o fruto (ainda que longínquo) de um “pecado original”. À Direita, porque, como muito bem escreve JPZ, «sentem que o imaginário da lusofonia impede Portugal – num contexto de transformação multicultural e multiétnica, tal como noutros países da Europa Ocidental – de defender a sua identidade primária, continental, e europeia». Aqui, realmente, há uma grande coincidência entre os extremos (esquerdo e direito): ainda que por razões muito diversas, ambos se afirmam contra a Lusofonia.
Reconhecendo que esses extremos, tanto à Esquerda como à Direita, estão em progressão, não somos, porém, tão pessimistas quanto JPZ. Desde logo porque se esses extremos estão particularmente em progressão nas novas gerações, estão ainda muito longe de representar, por inteiro, as novas gerações. Há ainda, a nosso ver, mesmo entre as novas gerações, uma maioria substancial para quem a relação mais próxima com as outras “gentes lusófonas” não é traumática ou problemática. Essa maioria substancial continua a preocupar-se genuinamente (e não por uma qualquer consciência de culpa) com as “gentes lusófonas” (apenas um exemplo: quem, no plano internacional, continua a preocupar-se genuinamente com a situação presente na Guiné-Bissau, como, outrora, aconteceu com Timor-Leste?). Mais: essa maioria substancial sabe perfeitamente que a Lusofonia a consolidar-se neste novo século terá múltiplas raízes – decerto, uma raiz também portuguesa, mas a par de outras. Não quer, pois, impor externamente, já fora de prazo, uma qualquer “portugalidade”. Neste novo século, o paradigma só pode ser outro: realmente pós-colonial.

1 comentário:

Mário Carneiro disse...

Muito bem.
Abraço.