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MIL: Movimento Internacional Lusófono | Nova Águia


Apoiado por muitas das mais relevantes personalidades da nossa sociedade civil, o MIL é um movimento cultural e cívico registado notarialmente no dia quinze de Outubro de 2010, que conta já com mais de uma centena de milhares de adesões de todos os países e regiões do espaço lusófono. Entre os nossos órgãos, eleitos em Assembleia Geral, inclui-se um Conselho Consultivo, constituído por mais de meia centena de pessoas, representando todo o espaço da lusofonia. Defendemos o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço lusófono – a todos os níveis: cultural, social, económico e político –, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma verdadeira comunidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade.
SEDE: Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa)
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NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI

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Sede Institucional: MIL - Movimento Internacional Lusófono, Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11 (1150-320 Lisboa).

Desde 2008"a única revista portuguesa de qualidade que, sem se envergonhar nem pedir desculpa, continua a reflectir sobre o pensamento português".

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"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

Nenhuma direita se salvará se não for de esquerda no social e no económico; o mesmo para a esquerda, se não for de direita no histórico e no metafísico (in Caderno Três, inédito)

A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo (in Cortina 1, inédito)

Agostinho da Silva

quinta-feira, 23 de abril de 2020

JONAS, A BALEIA E OS DI-KISHI



O mito de pessoas engolidas por animais e depois encontradas vivas é comum a diversas culturas europeias. Os gobblers são muitas vezes repteis e fazem parte de variadas lendas europeias e mediterrânicas.
A história mais conhecida provém do Médio Oriente e ficou registada no Antigo Testamento. Curiosamente, a Bíblia (pelo menos a versão que possuo) não refere uma baleia, mas sim um grande peixe. Tendo Jonas mostrado arrependimento por ter desobedecido ao Senhor, o peixe vomitou o profeta ileso na terra, após três dias e três noites passados no seu ventre.
Na Península Ibérica, o culto da serpente parece anterior tanto ao contacto com fenícios, gregos e cartagineses, como à chegada dos povos indo-europeus conhecedores da metalurgia do ferro e geralmente designados por celtas. O intercâmbio de culturas produziu um grande número de variações mitológicas em que predominam, ora a influência céltica, ora a mediterrânica.
As velhas narrativas partilham características comuns, evoluindo ao longo do tempo.
As mais antigas estão ligadas a serpentes que guardam as fronteiras que levam ao rio flamejante que conduz ao mundo inferior. Exigem tributo, ou alimentam-se das presas. Noutros casos, protegem tesouros ocultos e chegam a engolir os incautos que se aproximam. Serão predadores e guardiões.
Há fórmulas que se repetem. Nas histórias clássicas, a serpente predadora transfere a sua sabedoria para a presa engolida, como é o caso da lenda de Santa Margarida. De certo modo, a cobra é aliada. Ao ser alimentada, compensa quem o faz com dádivas.
Com o passar do tempo, vai-se perdendo a noção de benefício e a serpente engolidora passa a ser olhada como um inimigo. O herói não obtém prendas nem favores mágicos do interior do réptil e acaba por o matar.
Uma variante consiste no padrão de duelo com a serpente ou o dragão. Chegamos assim à lenda de S. George, característica do mundo mediterrânico antigo e espalhada pelo centro da Europa. Vão sendo introduzidas inovações culturais. Uma donzela é sacrificada cada ano à serpente devoradora, que é morta pelo herói que não chega a ser engolido.
Relacionado com os anteriores, existe um terceiro padrão, o do encantamento. Em tempos históricos talvez mais recentes, nasce a figura da mulher serpente, associada a oráculos ligados a locais sagrados a que as pessoas acorrem para fazer perguntas e oferecer presentes.
A Península Ibérica era conhecida na Antiguidade como Ofiusa (terra de serpentes). Tanto em Espanha como em Portugal existe um número considerável de lendas que envolvem serpentes, dragões e rainhas ou mouras encantadas. Habitam a vizinhança de fontes ou cavernas e são geralmente associadas à água, pois a água, que seria o ambiente da serpente, remete para o sangue da Grande Deusa ancestral. Na Península, a serpente é apresentada como um ser benfazejo, que muitas vezes oferece prendas preciosas.
Voltemo-nos agora para a África subsaariana. Tive ensejo de publicar, no ano de 2003, uma seleção de contos tradicionais angolanos. Os monstros ou ogres engolidores são personagens importantes em sete das 40 histórias curtas então escolhidas.
Em Angola, a influência da cultura mediterrânica ancestral é provavelmente inexistente. Foi desenvolvido de forma autónoma um conjunto de lendas que referem monstros engolidores, encarados como inimigos.  
Em “O monstro e os dois rapazes caçadores” (recolha de Carlos Estermann) depois de aberta a barriga do monstro saíram a salvo todas as pessoas devoradas, assim como os bois, os cabritos e as galinhas. A forma física do ogre não é descrita.
No conto cuanhama “O filho do Haikali”, também recolhido por Carlos Estermann, o aspeto físico do monstro também não é referido. A história termina com a morte do ogre. Todas as pessoas que ele tinha comido puderam sair-lhe da barriga, vivas e com saúde.
Em “Ngana Samba e os Ma-Kishi” (recolhido por Héli Chatelain), uma rapariga foi raptada por um ogre que se casou com ela. Geraram três filhas.
As designações dos ogres variam conforme as regiões e os dialetos. Di-Kishi é um dos nomes do papão. Ma-Kishi é o plural de di-Kishi. Em certas zonas são descritos com tendo duas cabeças. Em toda a parte apreciam carne humana. Em geral, não são muito espertos.
Em “Os leões e Kimona-Ngombe” (recolha de Héli Chatelain), os leões com fome apareceram num povoado e deram aparência de mulher a uma leoa jovem. O dono do cercado casou com ela. A falsa mulher acabou queimada quando o amo mandou os servidores deitar fogo à cubata.
Em “A mulher devorada pelo ogre” (recolha de Carlos Estermann), os monstros deixavam pegadas. Um deles tinha cauda curta, dois enfeites de concha na barriga e usava a pulseira da mulher devorada no pulso esquerdo. Depois de o matarem, os filhos esfolaram o ogre e acabaram por encontrar a mãe viva no dedo mais pequeno do pé esquerdo. Quase todos os que são devorados por monstros acabam por sair vivos. O problema é que, para os devorados, o tempo não passa e a mãe, engolida quase vinte anos antes, tinha a idade dos filhos. 
Em “A rapariga e o papão” (recolha de J. Valente) o ogre capturou uma rapariga. Juntamente com a mulher, cortaram-na em pedaços e meteram-na na panela. Recomendaram à filha que tomasse conta da panela, mexendo a carne com uma agulha. Insistiram que usasse o fundo da agulha e nunca a ponta. A miúda ogre distraiu-se e usou a ponta. A carne que estava lá dentro uniu-se num corpo e saltou cá para fora. A ressuscitada atirou-se à cozinheira, cortou-a em pedaços e deitou-a na panela em seu lugar. Os Ma-Kishi acabaram por comer a própria filha.
Deixei propositadamente para o fim “A serpente fantasma”, recolhida por J. Valente. Uma enorme serpente engoliu uma criança. A mãe pediu ajuda a quem pôde. Os socorristas foram todos tragados. Apareceu finalmente um rapazinho com uma faca afiada. Ao ser engolido, picou e rasgou com a faca até à cauda. Todos os devorados saíram com vida. Tratava-se de uma cobra sem qualquer característica humana.
É curioso verificar como a imaginação é capaz de fabricar de forma independente, na ausência de qualquer intercâmbio cultural, mitos tão aproximados como os dos monstros que devoram pessoas e as conservam ilesas nos ventres.  Seremos mais parecidos uns com os outros do que nos habituámos a pensar.

BIBLIOGRAFIA
Bru Romo, Margarita e Vasquez-Hoys, Ana. The representation of the serpent in ancient Iberia. University of Malta Press, 1986.
Chatelain, Héli. Folk Tales of Angola. Boston, 1894.
Estermann, Carlos. Cinquenta contos bantos do Sudoeste de Angola. Instituto de Investigação Científica de Angola, Luanda, 1971.
ñez, Eloy Martos, Blanco, Antonio Castaño, García, Aitana Martos. The serpent as a Pan-Mediterranean myth. Mediterranean Journal of Social Sciences MCSER Publishing, Rome-Italy Vol6 Nº 4 S2 July 2015.
Trabulo, António. No tempo do Caparandanda. Europress, Lisboa, 2003.
Valente, José Francisco. Paisagem africana. Instituto de Investigação Científica, Luanda, 1974.

Fotografia do autor.

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