Cara Professora M. Fátima Bonifácio
Sem qualquer ironia, começamos
por lhe dizer que, em geral, costumamos apreciar os seus textos – pela sua
capacidade argumentativa e pela lucidez que eles, por regra, denotam. Não foi
porém, de todo, o caso do seu texto “Portugal-Angola: uma parceria
estratégica sem futuro” (Público,
29.09.2018), assumidamente em réplica a um texto do nosso Ministro dos Negócios
Estrangeiros em exercício, Augusto Santos Silva, “Portugal e Angola, uma
parceria estratégica para o
futuro” (Público, 22.09.2108).
Começando por reconhecer uma “ligeira alteração atmosférica” nas relações
entre Portugal e Angola, M. Fátima Bonifácio recorda depois, com alguma
ironia ácida, os principais episódios que levaram a que “no ano passado as relações entre Lisboa e
Luanda tivessem azedado pesadamente”. Apesar dessa ironia ácida, a sua
descrição não nos merece qualquer reparo de maior.
O grande problema do seu
texto, permita-nos esta respeitosa réplica, são as suas duas premissas
essenciais, que enuncia desta forma tão categórica: “os Estados não orientam as suas relações com terceiros segundo critérios
afectivos, mas sim segundo os seus interesses. O resto é conversa.”; “Portugal não tem sido capaz de se projectar num
mundo globalizado, a não ser como parte integrante da UE. E Angola, para se
projectar no mundo globalizado, não precisa da ajuda de um pequeno país que,
por si, sem a União Europeia, é destituído de significância.”.
Comecemos pela primeira: “os Estados não orientam as suas relações com
terceiros segundo critérios afectivos, mas sim segundo os seus interesses. O
resto é conversa.”. M. Fátima Bonifácio até poderá sorrir com a nossa
réplica, mas os Estados (ou, mais exactamente, as Nações) são, antes de tudo o
mais, projectos afectivos. Os portugueses que gostam de ser portugueses (não
falo aqui dos outros) não o fazem por interesse (material, entenda-se). No
estrito plano do interesse material, (quase) todos ganharíamos em sermos
espanhóis. E, no entanto, não vemos que a maioria dos portugueses queira ser
espanhola.
E por isso, também, em geral,
os portugueses se preocupam (mais) com os outros portugueses: não por qualquer
interesse material, apenas, “tão-só”, porque se sentem (mais) ligados
afectivamente a eles, porque se sentem, em suma, membros de uma mesma
comunidade – que, antes de ser política, é uma comunidade histórico-linguístico-cultural.
Ora, isso também (sobre)determina as nossas relações trans-nacionais. Apenas um
exemplo da nossa história recente: se os portugueses em geral se preocuparam (e
se preocupam) tanto com os timorenses, isso não aconteceu, decerto, por
qualquer interesse material, apenas, “tão-só”, porque nos sentimos (mais)
ligados afectivamente a eles, muito mais do que a outros povos do
extremo-asiático.
O mesmo se passa relativamente
aos angolanos. Decerto, os (muitos) portugueses que se preocupam com Angola sabem
perfeitamente que “Angola já não é nossa” e que nunca voltará a ser “nossa”. E,
no entanto, preocupam-se com os angolanos: porque se sentem (mais) ligados
afectivamente a eles, muito mais do que a outros povos africanos com os quais não
partilhamos a mesma língua e grande parte da nossa história. E se isso não
transparece muitas vezes no plano político e (sobretudo) mediático, isso é bem
visível na rede de cooperação, nas mais diversas áreas, ao nível da sociedade
civil, onde, na maior parte dos casos, também não há nenhum interesse material
(pelo contrário).
Mas passemos à segunda premissa:
“Portugal não tem sido capaz de se
projectar num mundo globalizado, a não ser como parte integrante da UE. E
Angola, para se projectar no mundo globalizado, não precisa da ajuda de um
pequeno país que, por si, sem a União Europeia, é destituído de significância.”.
Antes de mais, consideramos esta premissa de M. Fátima Bonifácio
auto-contraditória – pois se Portugal é “um pequeno país que, por si, sem a União Europeia, é destituído de
significância” é, precisamente, porque “não tem sido capaz de se projectar num
mundo globalizado, a não ser como parte integrante da EU”. A menos que M.
Fátima Bonifácio defenda que Portugal não
possa ser capaz de se projectar num mundo globalizado, a não ser como parte
integrante da EU, condenando-se assim a manter-se como “um pequeno país que, por si, sem a União
Europeia, é destituído de significância”.
Pela nossa parte, do que se trata, precisamente, é que Portugal seja de
novo capaz de “se projectar num mundo globalizado”. E, antes que se levantem,
por má-fé e/ou ignorância, alguns “fantasmas”, desde já esclarecemos: isso não
passa (obviamente) por qualquer projecto neo-colonialista; toda a ligação com
os povos de língua portuguesa far-se-á por vontade (e também por interesse) dos
próprios, não de forma imposta; isso também não passa, no caso de Portugal, por
abandonarmos a União Europeia; pelo contrário, se tivéssemos apostado mais na ligação
com os restantes povos de língua portuguesa (sem esquecer aqui as várias
diásporas: lusófonas, não apenas as portuguesas), Portugal teria hoje, (também)
no seio da União Europeia, um papel bem mais relevante. Em suma: a nossa dimensão
lusófona não contradiz, antes fortalece, a nossa condição europeia. O resto,
sim, “é conversa”.
Com os nossos melhores
cumprimentos,
Renato Epifânio
Presidente do MIL: Movimento
Internacional Lusófono
www.movimentolusofono.org
3 comentários:
Caro Presidente do MIL
Concordo em pleno com o texto de resposta, oportuno e claro.
Nada mais à acrescentar.
Abraço fraterno
Luisa Timóteo
Amigo Renato Epifânio
Subscreveria inteiramente os argumentos da sua carta.
Felicitando-o, peço que aceite as melhores saudações do
Joaquim Domingues.
Boa malha!... se me permitem a expressão...
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