
Fazendo a crítica feroz do
relativismo cultural, trave-mestra de todo o pensamento pós-moderno, Vasco
Graça Moura desenvolve depois, de forma corajosa, ainda que nalguns pontos decerto
questionável, a sua apologia da Europa, dizendo-nos: “O espaço europeu criou
condições para uma profunda reflexão do homem sobre si mesmo e sobre o mundo.
Arte e filosofia, nesse aspecto, partilham o terreno, muito embora com
processos, métodos e objectivos diferentes (…). Já vimos que a Europa,
diferentemente dos outros continentes, começa por se pôr em questão. É a Europa
e são, hoje, as Américas, suas extensões civilizacionais, num todo que pode
genericamente ser englobado sob a designação de Ocidente.” (pp. 62-63).
E acrescenta, logo de seguida
– ainda com maior desassombro: “Enquanto um imobilismo ancestral caracterizou
as outras áreas do planeta, a essa propensão para a auto-reflexão conexa com a
elaboração de uma visão do mundo podemos atribuir a vontade de teorização
estética, sobre o Belo, as suas condições e as suas regras, bem como sobre a
sua capacidade de representar a realidade com um coeficiente de ‘fidelidade’ e
de verosimilhança diferente das maneiras de ver de outras partes do nosso planeta.
Essa representação esteve constantemente presente ao longo dos séculos, tendo,
com a invenção da perspectiva (Lucca Pacciolli, Piero della Francesca), que é
uma descoberta europeia, permitindo a simulação da tridimensionalidade e
portanto uma abordagem, uma representação e um conhecimento do real muito mais
completos.” (p. 63).
Ao contrário, porém, de todos
aqueles que – a nosso ver ingenuamente – partem da afirmação de uma identidade
cultural europeia para a defesa da sua união política, Vasco Graça Moura dá
mostras de um sábio cepticismo, bem expresso, por exemplo, nesta passagem:
“deve notar-se que cada americano é capaz de bater no peito e de se declarar
pronto a morrer por ‘the Nation’, seria bizarro esperar-se a mesma atitude da
parte de um europeu. Ninguém se mostra disposto a dar a vida pela Europa…” (p.
81). Ou seja, para concluir: há, na sua irredutível multiplicidade, uma
identidade cultural europeia; simplesmente, essa identidade cultural não é de
todo suficiente para sustentar uma real união política, como pretendem alguns,
que insistem em estabelecer um paralelo com o federalismo norte-americano.
4 comentários:
Muito discutível...
Para mim não existe identidade europeia.
Em termos de identidade Noruega, Suíça ou Canadá estão para mim absolutamente equidistantes. Existe uma identidade chamada cultura ocidental. Digo mais, sinto-me muito mais identificado com o Canadá culturalmente do que com a Letônia.
A Europa (UE) é o produto do axioma da contiguidade geográfica impostos por certos grupos globalizadores. Essa imposição existe desde a segunda guerra mundial e serviu tanto pra a formação de novos blocos regionais como para a formações das independências. Quase todas as regiões contíguas se independentizaram num só país.
Por isso na minha opinião a UE é um contraponto à CPLP e não uma via paralela. Poderia ser se tivesse nascido em outro contexto e com outras intenções.
“deve notar-se que cada americano é capaz de bater no peito e de se declarar pronto a morrer por ‘the Nation’, seria bizarro esperar-se a mesma atitude da parte de um europeu. Ninguém se mostra disposto a dar a vida pela Europa…”
Isto diz muito.
Eduardo Aroso
Sobre o assunto
"PAZ À SUA ALMA"
Outros mortos gloriosos me acompanham dia a dia, sendo um deles muito recente, que devemos falar e debater
"Nelson Mandela"
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