Sabemos que não é o caso de Nuno Pacheco (NP), mas o seu artigo
“Língua portuguesa, do lirismo ao desastre” (Público, 14.06.2018) não pôde
deixar de nos lembrar algumas pessoas que só falam das questões lusófonas por
razões negativas, sendo que, nalguns casos, o fazem até com indisfarçado
júbilo.
Feita esta justa ressalva, vamos então ao teor do texto. No
essencial, NP contesta “que a língua portuguesa, se é falada hoje (garantem)
por mais de 260 milhões de seres, sê-lo-á por 400 milhões até 2050 e por nada
menos do que 600 milhões até ao final do século”. Fá-lo, porém, a nosso ver,
misturando bons e maus argumentos. Daí a nossa resposta.
Começando por dar razão a NP, importa reconhecer que, na
realidade, os únicos países de língua portuguesa (no sentido em que nesses
países se fala massivamente a nossa língua) são, no presente, Portugal e
Brasil. E se é incontestável, como alega NP, que “o Brasil está numa tremenda
crise (também em matéria educativa)”, não será por isso que no Brasil se
deixará de falar a nossa língua. A língua portuguesa é no Brasil uma realidade
mais do que consolidada, sendo também, por via disso, um dos grandes factores
de coesão nacional, apesar de todas as crises.
Atravessando o Atlântico, a situação já é bem diferente, como
importa igualmente reconhecer. Em todos esses países, o número real de falantes
de língua portuguesa está muito aquém da maioria. Aqui, porém, mais do que para
os dados, importa olhar para as tendências. E o que estas nos antecipam é que a
tendência é de crescimento, assim se consolidem os diversos sistemas de ensino.
Esse tem sido, até ao momento, o maior obstáculo a esse crescimento.
Aqui, a única (semi-)excepção é Cabo Verde, que, como refere NP,
está entretanto a apostar mais no crioulo do que na língua portuguesa. Pela
nossa parte, acreditamos que essa tendência não é irreversível, desde logo
porque a língua portuguesa tem, em relação ao crioulo, uma vantagem óbvia:
enquanto o crioulo será apenas uma língua de comunicação interna, a língua
portuguesa garante uma comunicação a nível internacional. De resto, situação
similar se passa em Timor-Leste: apesar da força do “tétum”, as autoridades
timorenses não deixam cair a língua portuguesa porque perceberam isso há muito
tempo.
Em suma: são as autoridades de cada um dos Países de Língua
Oficial Portuguesa que, legítima e soberanamente, têm reafirmado a sua aposta
na defesa e difusão da língua portuguesa. Obviamente, não o fazem para agradar
a Portugal. Fazem-no (talvez até, nalguns casos, a contra-gosto) porque sabem
que isso é do seu essencial interesse. À medida que o Estado em cada um desses
países se for consolidando (também a nível do sistema de ensino), é mais do que
previsível que o número real de falantes de língua portuguesa vá crescer
exponencialmente, até porque esses países se mantêm em expansão demográfica
(neste plano, a única excepção é, como se sabe, Portugal).
Tudo isto são, porém, aspectos quantitativos. Ora, mais
importantes são, a nosso ver, os aspectos qualitativos. E aqui, de facto, o
cenário é bem menos auspicioso: esse conjunto em crescendo de pessoas que falam
a língua portuguesa está ainda longe, muito longe, de formar uma real
comunidade. Nalguns casos, cada vez mais longe. Sendo que aqui as razões são
outras: no Brasil, por exemplo, o sistema de ensino continua a diabolizar, em
grande parte, a colonização portuguesa; em África, em geral, a situação não é
muito diferente; depois, têm existido alguns incidentes político-diplomáticos,
como entre Portugal e Angola; corolário de tudo isso tem sido a crescente
inércia da CPLP: Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que, mais do que
uma redinamização, precisa de uma refundação.
Ainda assim, o facto de um país como Angola estar a multiplicar as
suas relações (com os países anglófonos e francófonos, como NP salienta), não
fará com que Angola deixe de ser um país lusófono, cada vez mais lusófono,
ainda que só linguisticamente. O que mais importa é, sobre isso, consolidar uma
cooperação (a todos os níveis) digna desse nome. Aí sim, Portugal pode e deve
fazer muito mais. Já quanto às nossas comunidades de emigrantes, o cenário é
bem diferente: a esse respeito, NP refere, citando Onésimo Teotónio de Almeida,
que “o movimento de crescimento do português está nos Estados Unidos da América
a ter uma curva descendente desde 2015”. E o mesmo tem acontecido,
acrescentamos nós, noutros países com fortes comunidades portuguesas.
Há, a nosso ver, duas razões para tal: em primeiro lugar, é
natural que, à medida que as gerações se sucedem, a ligação com a língua
portuguesa se vá desvanecendo, sobretudo porque (e essa é a segunda razão) não
parece haver motivos para contrariar essa tendência, a não ser os afectivos/ familiares.
Quando, nalguns casos, são as próprias autoridades políticas e académicas
portuguesas a promoverem uma visão envergonhada da nossa história e cultura,
que estímulo podem ter os netos ou bisnetos de portugueses para aprenderem a
nossa língua? Falamos por nós: se tivéssemos nascido nos Estados Unidos da
América ou em França, apenas para dar dois exemplos, e se nos tivéssemos
deixado formatar pela “cultura dominante” (bem visível, por exemplo, na
polémica em curso sobre o “Museu dos Descobrimentos”), não teríamos o menor
estímulo para manter uma ligação linguística com Portugal. Pelo contrário.
Renato Epifânio
Presidente do MIL: Movimento Internacional Lusófono
www.movimentolusofono.org
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