Mesmo a findar o ano, António
Guerreiro (A.G.) brindou-nos, nas páginas do jornal Público, com um Manifesto
Anti-Patriótico (“O patriotismo dos outros”, 27.12.2017) que não podemos deixar
de saudar pela sua coragem, por mais que dele discordemos por inteiro. Com
efeito, o patriotismo, como o próprio A.G. bem assinala, tornou-se uma espécie
de “vaca sagrada” da cidadania contemporânea politicamente correcta, que leva a
que (quase) ninguém ouse hoje afirmar-se como anti-patriota (apenas, quanto
muito, como anti-nacionalista, seguindo a mesma cartilha politicamente correcta).
Esse patriotismo da cidadania
contemporânea politicamente correcta é, porém, um patriotismo de tal modo
esvaziado que se tornou (quase) por inteiro inócuo. Ele é compatível com (quase)
tudo, mesmo com posições objectivamente anti-patrióticas. Essa é, de resto, a
lógica hegemónica do nosso discurso político-mediático: fazer, por exemplo,
eloquentes proclamações de amor à língua portuguesa e depois aceitar (quando
não se incentivam) práticas que, objectivamente, subalternizam a nossa língua.
Contra a hipocrisia generalizada, é pois clarificador ver alguém afirmar-se
contra o próprio princípio do patriotismo.
Saudando essa sua posição,
gostaríamos, porém, de fazer uma objecção mais específica e de assumir a nossa
própria posição, por inteiro contrário à de A.G., como veremos. Quanto à
objecção mais específica: alega A.G., citando Reinhart Koselleck, que o
patriotismo “nasceu no início do século XVIII como uma figura-guia do
Iluminismo político e que no século XIX, na época do Romantismo, se tornou um
princípio organizador da acção política”. Essa é, meu ver, uma visão demasiado
estrita (para não dizer estreita) do patriotismo, apesar de reconhecermos que,
no contexto europeu, foi na chamada “modernidade” que o patriotismo deu um
salto qualitativo, desde logo por via da consagração das línguas nacionais, em
parte pela fragmentação do latim medieval, no que diz respeito às línguas
latinas.
Numa visão mais ampla e não
estrita e estreitamente eurocêntrica, consideramos, ao invés, que o patriotismo
é tão velho quanto a humanidade, melhor dito, quanto a história da humanização
da humanidade. Com efeito, à medida que os seres humanos começaram a
desenvolver uma linguagem e uma cultura, ou seja, à medida que transcenderam a
sua condição meramente natural, eles foram-se agregando por via disso, formando
assim comunidades histórico-linguístico-culturais. Eis a verdadeira génese do
patriotismo, já presente, por exemplo, nas tribos africanas, cuja distinção não
tem a ver apenas com factores étnicos, mas também, e nalguns casos sobretudo,
com factores linguístico-culturais.
Chegados aqui, esclarecemos
finalmente a nossa posição: defendemos um patriotismo lusófono e,
cumulativamente, uma via trans-nacionalista (quer para Portugal, quer para os
restantes países lusófonos). Por isso, defendemos o reforço gradual dos laços
entre os países e regiões do espaço de língua portuguesa – no plano cultural,
desde logo, mas também nos planos social, económico e político. Sem que isso
implique, no caso de Portugal, a saída da União Europeia. Mas sem ilusões: o
mil vezes anunciado patriotismo europeu, única base sólida para uma real união
política, jamais existirá. No caso português, o único patriotismo
trans-nacional que existe, ainda que de forma incipiente, é o patriotismo
lusófono. E por isso nele devemos apostar. Supomos que A.G. despreze por
inteiro esta posição, mas nós, pelas razões aduzidas, não podemos deixar de
saudar a sua.
1 comentário:
Parabens . Exatament o que eu penso.
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