Nada temos contra a FCT: Fundação
para a Ciência e a Tecnologia, a entidade que, no essencial, gere, em Portugal,
todos os fundos ligados à investigação científica. Bem pelo contrário: graças à
FCT, fomos sucessivamente bolseiros de mestrado, doutoramento e
pós-doutoramento (até a nossa actividade de docência universitária se ter
tornado incompatível com o estatuto de bolseiro), o que nos permitiu ter a
oportunidade (mais do que a oportunidade, o privilégio) de estudar a fundo
algumas das figuras maiores da filosofia portuguesa – em particular, José
Marinho e Agostinho da Silva. Nada nos move pois, de todo, contra a FCT.
Nos últimos anos, porém, algo
mudou, conforme relatos que nos têm regularmente chegado – transcrevemos aqui
em parte um dos últimos, particularmente impressivo: “É com muita pena que tomo
conhecimento da saída de Portugal de mais um investigador (...), deixando de
dar prioridade às suas investigações sobre o Pensamento Português. Pelo
que entendo, a sua situação é devida, pelo menos em parte, a uma praga que
afecta vários jovens investigadores e que nos últimos tempos não tem sido
suficientemente denunciada na Academia: a extrema escassez de financiamentos
para investigação sobre Pensamento Português, na área da Filosofia,
principalmente a nível de pós-doutoramento (…).”
Como se pode ler ainda na
missiva: “Com efeito, trata-se de um dos patentes sinais de uma situação grave
e preocupante - para não dizer vergonhosa - que se tem vindo a criar nos
últimos anos: a sistemática exclusão, quanto a financiamentos, dos projectos de
investigação de pós-doutoramento (e não só) sobre Pensamento Português, por
parte das entidades financiadoras (FCT in
primis). Uma inteira geração de investigadores doutorados (ou com formação)
em Filosofia, portugueses e estrangeiros, está a ser prejudicada por ter a
única "culpa" de se dedicar ao estudo do Pensamento Português e da
Filosofia em Portugal.”. Sublinhamos: “a sistemática exclusão, quanto a
financiamentos, dos projectos de investigação de pós-doutoramento (e não só)
sobre Pensamento Português, por parte das entidades financiadoras (FCT in primis)”.
E conclui-se: “Alguns deles, após
anos e anos de frustrações, acabaram por desistir de concorrer nos painéis de
Filosofia para passar aos de Literatura (quer ganhando, quer não), numa
injustificável mudança de área científica, vivida quase sempre como sendo uma
escolha forçada, adulteradora, que menospreza os percursos curriculares na área
de Filosofia e especialmente da Filosofia em Portugal. Repare-se ainda num
aspecto inquietante, não secundário: apresentar à FCT um projecto/candidatura
de pós-doutoramento em Filosofia, escrito em língua portuguesa, parece que se
tornou numa espécie de estigma, já que ganham tendencialmente (para não
dizer apenas) projectos apresentados em inglês (e, claro, a esmagadora
maioria sobre autores estrangeiros).”.
Mesmo para quem não considere
(já) a Filosofia, como foi classicamente considerada, como a “rainha dos
saberes”, ela decerto terá pelo menos a mesma dignidade de outros saberes. O
facto da Filosofia em língua portuguesa estar sistematicamente, ao mais alto
nível, a ser boicotada, deveria causar uma onda de indignação, sendo que pouco
nos importa saber se as directrizes vêm da União Europeia ou do Estado
Português. Seja por acção ou por omissão, o Estado Português é responsável por
esta crescente decapitação (filosófica) do país. Por este caminho, como já é
evidente noutras áreas, todo o ensino superior vai ser ministrado numa outra
língua que não a nossa (leia-se: em inglês). Numa altura em que um outro povo
ibérico (leia-se: o catalão) tanto luta pela sua língua e pela sua cultura
(independentemente agora das questões constitucionais), custa ver como o povo
português parece aceitar, de forma tão dócil, a sua decapitação filosófica.
2 comentários:
O texto,de muita qualidade e oportunidade que acabei de ler,constitui mais um exemplo do que considero ser a imagem de marca do povo português:cobarde, intelectual e politicamente,muito embora extraordinariamente valente,no âmbito físico.
E é esta mentalidade que tem impedido a Mudança profunda de que o país imperiosamente necessita e que só em situações extremas será alterada...Parece haver,na verdade,um verdadeiro masoquismo, afectando a grande maioria dos portugueses!
Parabéns pelo texto e pela advertência!
Com as invasões francesas a elite política tende a seguir os ideais franceses de conotação jacobina e com a União Europeia e o globalismo destrói-se o saber diferenciado da província para se seguir o saber latifundiário de monocultura. Quer-se um país a viver na dependência de uma troika a estabelecer mundialmente. A melhor via para isso é a subjugação filosófica. Quem possui a ideia/palavra, quem tem o domínio do pensamento tem o poder.
António da Cunha Duarte Justo
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