É, decerto, mais um (mau) sinal dos tempos: as minhas idas a livrarias são
cada vez mais deceptivas. É cada vez mais raro encontrar um livro que esteja em
destaque e que me suscite sequer curiosidade. Basta olhar para as capas para
perceber (quase) sempre todo o conteúdo. Há, como sempre, excepções.
Recentemente, entrei numa livraria e deparei com o livro “Os não-europeus pensam?”,
de Hamid Dabashi. O título, pelo menos, era suficientemente interpelativo para
não o ignorar.
Comecei a lê-lo com genuína curiosidade
mas logo percebi o quanto o livro, todo ele, assentava num equívoco de base,
que só vale a pena denunciar porque, infelizmente, é um equívoco em crescente
disseminação: mais um (mau) sinal dos
tempos. E que se pode expressar da seguinte forma: o pensamento filosófico, tal
como o (re)conhecemos, é não tanto filosófico como sobretudo europeu.
As consequências que se podem retirar desta premissa falsa, ou, pelo menos,
assaz enviesada, podem ser, no limite, as mais suicidárias: se o pensamento
filosófico, tal como o (re)conhecemos, é não tanto filosófico como sobretudo
europeu, então, em nome da recusa – seja qual for a motivação: política,
económica, civilizacional, cultural, religiosa, histórica, etc. – da Europa,
acaba por propor-se, ainda que não de forma expressa, a recusa do pensamento
filosófico, ou, pelo menos, a procura de alegados “novos paradigmas” para o
pensamento, contrapostos, claro está, aos paradigmas alegadamente europeus.
E eis aqui todo o equívoco. Gostava de dizer o meu Professor de Filosofia
Antiga na Faculdade de Letras de Lisboa, José Trindade dos Santos, que “os
Gregos tinham aberto (quase) todas as portas”. Apesar da minha relação com ele
não ter sido a mais pacífica, cada vez mais lhe dou razão (neste ponto). É que
a mente humana não tem possibilidades infinitas. O pensamento filosófico, ao
longo de toda a sua história, tem sido apenas a exploração multímoda dessas
possibilidades. De forma – sendo que aqui a questão da forma é fundamental –
crítica, auto-vigilante, estruturada, coerente, lógica, etc. A filosofia é, tem
sido, essencialmente isso.
Façamos aqui uma analogia entre a mente e o corpo: até porque tal como a
mente humana não tem possibilidades infinitas, o mesmo acontece com o nosso
corpo. Agora imaginem que tinham sido os europeus os primeiros seres humanos a
conseguirem correr. Não é provável, mas partamos, por um instante, dessa
premissa. Agora imaginem o absurdo que seria aparecer alguém, no século XXI, a
defender que afinal a forma como todos os seres humanos correm é “europeia”. E
que, por isso, importava encontrar novas formas de correr, “novos paradigmas”.
O resultado não é difícil de adivinhar: esta moda politicamente correcta para
encontrar novos paradigmas para o pensamento filosófico, por ser alegadamente
“europeu”, irá conduzir-nos às maiores aberrações. Foi você que pediu um
pensamento incoerente e ilógico?
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