Escreveu Paulo Trigo Pereira
no jornal “Observador” (11.04.2017) um interessante artigo intitulado
“Agostinho da Silva: Amado e Mal-Tratado”, onde denuncia, a nosso ver com
acerto, que Agostinho da Silva tem sido “mal-tratado quer por parte de certa
‘inteligentzia nacional’, quer e sobretudo pelas instituições públicas”.
Sendo a denúncia acertada, as
explicações que Paulo Trigo Pereira expõe no seu artigo não acertam, de todo, a
nosso ver, no alvo. Dito isto, gostaríamos desde já de ressalvar que não pomos minimamente
em causa o agostinianismo de Paulo Trigo Pereira, até porque sabemos, por
experiência própria, que há muitas formas de ser agostiniano – formas
diferentes, muito diferentes, e até contraditórias. Com efeito, Agostinho da
Silva consegue, ainda hoje, congregar pessoas das mais diversas proveniências
filosóficas, ideológicas, religiosas, etc.
Feita esta (para nós)
importante ressalva, vamos então à nossa explicação para o facto de Agostinho
da Silva continuar a ser “mal-tratado quer por parte de certa ‘inteligentzia
nacional’, quer e sobretudo pelas instituições públicas”. No essencial, isso
deve-se, a nosso ver, à sua visão do país, bem distante (para dizer o mínimo)
da visão defendida quer por parte de certa “inteligentzia nacional”, quer e
sobretudo pelas instituições públicas.
Compreendemos que, para Paulo
Trigo Pereira, que se assume como um “federalista europeu”, o assunto seja
incómodo, mas a verdade é que, ainda em vida, Agostinho da Silva expôs as
maiores reservas a uma visão oficial do país que, no essencial, reduzia
Portugal à então C.E.E. (Comunidade Económica Europeia). Na altura, sobretudo
por isso, Agostinho da Silva foi de facto ridicularizado e posto de parte: era,
alegadamente, um “passadista”, um “velho do Restelo”, senão mesmo ainda um
“homem do Império”, que não aceitava o que nos foi impingido como o (único)
futuro, com os resultados que estão hoje à vista de todos.
Na verdade, desde há muito
tempo, Agostinho da Silva defendia um outro futuro para Portugal. Apenas alguns
exemplos: num texto publicado no jornal brasileiro O Estado de São Paulo, com a data de 27 de Outubro de 1957,
Agostinho da Silva havia proposto “uma Confederação dos povos de língua
portuguesa”. Num texto posterior, chegará a falar de um mesmo “Povo não
realizado que actualmente habita Portugal, a Guiné, Cabo Verde, São Tomé e
Príncipe, o Brasil, Angola, Moçambique, Macau, Timor, e vive, como emigrante ou
exilado, da Rússia ao Chile, do Canadá à Austrália” [“Proposição” (1974)].
Por tudo isso, chegou a
defender: “não me pareceu que a
revolução de 1974, tal como estava a ser feita, conduzisse a alguma coisa em
que valesse a pena colocar essas ideias. Pareceu-me que era um pronunciamento
militar sem grande largueza política” (in Vida Conversável, Lisboa, Assírio & Alvim, 1994, p. 53). Face a uma posição como esta, como
poderia, de facto, Agostinho da Silva não ser “mal-tratado quer por
parte de certa ‘inteligentzia nacional’, quer e sobretudo pelas instituições
públicas”? A nosso ver, não poderia. Vamos até mais longe. Se for apenas por
esta razão, melhor será que Agostinho da Silva continue a ser “mal-tratado quer
por parte de certa ‘inteligentzia nacional’, quer e sobretudo pelas
instituições públicas”. Prova de que, no essencial, continua a ter razão, já
mais de vinte anos após a sua partida.
1 comentário:
Também li o artigo e de facto há muitas "imprecisões" no mesmo.
são múltiplas as referencias negativas de Agostinho à Integração europeia "plena" de Portugal na Europa - demolidoras mesmo, intitulando em 1988 a entrevista por si a Universos "A Europa vai morrer". Ele, como lembras e muito bem opõe a lusofonia de que é percursor, à Europa.
Paulo Trigo, noutra deriva muito comum, quer associar Agostinho da Silva ao legado de António Sérgio, coisa que é um manifesto abuso. Agostinho não desenvolve no seu pensamento - nem sequer na fase seareira - praticamente nenhuma particularidade que o aproxime a Sérgio e muito menos ao seu apregoado racionalismo. tem, é verdade, consideração intelectual por ele, mas nada mais. lamento mas é assim.
Outra questão é a colaboração dele na Seara Nova, essa sim importante e relevante, mas não pelos motivos que o artigo aponta.
Não cabe aqui ir mais longe. Mas como referes e muito bem, os tempos actuais mostram cada vez mais a actualidade das suas "visões" quanto à Europa e eu vaticino que em breve as suas posições ganhem cada vez maior relevância.
ab
a manso
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