Se, conforme o já
oportunamente denunciado, “a peste do politicamente correcto ameaça agora
invadir em força a área do pensamento filosófico” (Cf. PÚBLICO, 02.04.2017),
ela há muito que invadiu a área da historiografia, particularmente em Portugal.
A recente visita do Presidente
da República Portuguesa a uma antiga casa de escravos do tempo dos holandeses,
na ilha de Gorée, em frente a Dacar, lugar que foi um entreposto do tráfico de
escravos desde o século XV, veio, uma vez mais, demonstrar essa evidência.
Um artigo publicado no jornal
PÚBLICO (“Um ‘humanismo’ nada excepcional”, 18.04.2017) é um exemplo eloquente
disso mesmo. Alegadamente contra o “nacional-ufanismo que faz escola, sempre
alimentado por zelotas da lusofonia e por oráculos do interesse ou da
‘estratégia nacionais’”, o artigo é, com efeito, um exemplo eloquente do
enviesamento ideológico da peste do politicamente correcto.
Nós não temos problema algum em
enfiarmos essa carapuça – a de “zelotas da lusofonia” –, até porque (ironia das
ironias) os zelotas foram, antes de tudo o mais, um movimento de resistência ao
Império Romano. Não estamos, porém, seguros de que Marcelo Rebelo de Sousa se
sinta à vontade com a mesma carapuça.
Assim sendo, sugerimos que,
numa próxima intervenção sobre o assunto, Marcelo Rebelo de Sousa defenda, de
forma particularmente enfática, as quatro premissas fundamentais da
historiografia politicamente correcta sobre a nossa expansão marítima:
1. A escravatura foi um fenómeno
exclusivamente europeu e, em particular, português. Quando os portugueses
tiveram a infeliz ideia de começar a dar passeios de barco cada vez mais
longos, não havia escravatura em África (nem, escusado seria dizê-lo, na Ásia
ou na América).
2. Mesmo na Europa, a
escravatura foi um “vírus” que só surgiu com o cristianismo. Na Grécia Antiga,
não havia escravatura, porque, evidentemente, a Grécia Antiga “inventou” a
Democracia e a Democracia é incompatível com a escravatura.
3. Só, com efeito, o cristianismo
tolerou a escravatura. As demais religiões nunca o fizeram. De resto, é mais do
que sabido que as demais religiões não têm crenças “bizarras”. Apenas o
cristianismo/ catolicismo.
4. A história da colonização
portuguesa foi, comparativamente, a pior, no universo das colonizações
europeias. Prova disso é o amor que, ainda hoje, os povos colonizados pelos
outros países europeus têm pelos respectivos povos colonizadores, ao contrário
do que acontece com os povos colonizados por Portugal, que continuam a ter por
nós o maior ódio, facto que qualquer pessoa isenta poderá confirmar.
https://www.publico.pt/2017/04/21/culturaipsilon/noticia/nos-zelotas-da-lusofonia-nos-confessamos-1769441
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