Tornou-se um lugar-comum
defender-se que a democracia nasceu na Grécia. Como acontece em (quase) todos
os lugares-comuns, essa é apenas uma meia verdade. E nem sequer estou aqui a
falar do (não) estatuto das mulheres e dos escravos na democracia grega – algo
em geral escamoteado. Na presente circunstância, quero apenas recordar que, na
Grécia Antiga, o discurso pró-democrático emergiu a par do discurso
anti-democrático.
De tal modo assim foi que,
mesmo no século XX, os pensadores assumidamente anti-democráticos se filiaram
ainda em Platão. Exemplo paradigmático disso foi, entre nós, o caso de António
José de Brito (1927-2013), assumidamente fascista, cujos “Diálogos
de doutrina antidemocrática” (1975) são claramente, na forma e no conteúdo,
diálogos platónicos.
Os democratas de hoje continuam
a assumir-se como antifascistas – mas cada vez menos no conteúdo. Recorde-se, a
este respeito, a sua reacção aos referendos no espaço europeu. Quando os
resultados, como quase sempre tem acontecido, não agradam, logo irrompem os
discursos sobre a alegada ignorância das massas, a sua falta de discernimento,
a sua incapacidade de se centrarem nas questões em discussão, a sua escassa
constância e fiabilidade, etc.
Os teóricos fascistas eram,
a este respeito, importa reconhecê-lo, bem mais coerentes. Porque partiam do
princípio de que as massas são de facto ignorantes e pouco fiáveis, afirmavam-se,
coerentemente, contra o voto universal e nem sequer consideravam que os líderes
políticos devessem ser populares. Numa espécie de “snobismo” político levado ao
extremo, concluíam, com toda a coerência, que, quanto melhores fossem os
líderes, mais naturalmente impopulares eles eram junto das massas.
Vêm
estas considerações a propósito de uma notícia deste mês de Fevereiro: a da anunciada
eleição de François Hollande para Presidente do Conselho Europeu, defendida,
como seria de esperar nestes nossos tempos (em que já nada surpreende), por
distintos líderes democratas. O mesmo François Hollande que, saliente-se,
enquanto Presidente da República Francesa, tem batido todos os recordes de
impopularidade, a ponto de nem sequer tentar a reeleição – facto inédito em
França. Se os distintos líderes democratas europeus considerarem mesmo que François
Hollande é a melhor escolha, então teremos que começar a reescrever toda a
história da filosofia política. Caso contrário, estaremos em pleno teatro do
absurdo.
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