A visão agostiniana da Galiza
emerge no âmbito da sua reflexão sobre Portugal, sobre o seu sentido histórico.
Desenvolveu Agostinho da Silva essa reflexão em diversas obras, desde logo, na
sua Reflexão à Margem da Literatura
Portuguesa, obra publicada no Brasil, em 1957. Nessa obra, logo no primeiro
capítulo, Portugal e Galiza aparecem a par, “como dois noivos que a vida
separou”. Separação que Agostinho lamenta, por Portugal sobretudo, dado que,
como nos diz, se ela não tivesse ocorrido, “talvez o ouro da Índia e Brasil
tivesse dado maior proveito e se não tivesse, em plena época de afluxo de
riquezas, de fazer aportar ao Tejo frotas de cereal e pão”.
Separado da Galiza, Portugal
perdeu pois, à luz desta visão, as suas raízes mais profundas, o seu Norte.
Eis, dir-se-ia, o “pecado original” da formação de Portugal e das futuras
Descobertas. Nesta visão da História, não é, contudo, essa separação, essa
cisão, um horizonte inultrapassável. Eis o que o próprio Agostinho da Silva, de
resto, nos havia já antecipado no seguimento da passagem da sua Reflexão à Margem da Literatura Portuguesa
que há pouco transcrevemos, essa em que lamentava a nossa separação, a nossa
cisão, com a Galiza – como aí escreveu: “Mas tempo vem atrás de tempo; se há
‘talvez’ para o passado da História, há ‘talvez’ igualmente para o futuro da
História; pode ser que um dia a reintegração da Península em si mesma, na sua
liberdade essencial, se faça através da reunião de Portugal e da Galiza. Dos
dois noivos que a vida separou.”.
Talvez que, contudo, sob uma
perspectiva outra, essa separação, essa cisão, tenha sido historicamente necessária.
Eis o que, pelo menos, o que o autor de Reflexão
à Margem da Literatura Portuguesa sugere numa outra sua obra – Um Fernando Pessoa, publicada dois anos
depois, em 1959 –, quando aí desenvolve uma visão triádica de Portugal, à luz
da qual “o primeiro Portugal foi – nas suas palavras – o Portugal da velha
unidade galaico-portuguesa, o Portugal lírico e guerreiro das antigas de amigo
e das velhas trovas do cancioneiro popular; nele estiveram – como acrescenta
ainda – as raízes mais profundas da nacionalidade e nele sempre residiram as
inabaláveis bases daquele religioso amor da liberdade que caracteriza Portugal
como grei política”.
Para que Portugal pudesse barcar, talvez que, contudo, tivesse que
se cindir da sua arca... Eis, com
efeito, o que, no seguimento desta passagem, Agostinho da Silva implícita senão
mesmo expressamente defende ao afirmar que esse “Portugal da velha unidade
galaico-portuguesa” era “demasiado rígido para as aventuras da miscigenação, da
tessitura económica e do nomadismo que não reconheceria limites”. A ser assim,
essa cisão foi, pois, genesíaca – dado que dela resultou toda a demanda das
Descobertas! Poderia, como expressamente salvaguarda o próprio Agostinho da
Silva, no segundo capítulo da sua Reflexão
à Margem da Literatura Portuguesa, não ter sido assim – nas suas palavras:
“O Português podia ter resistido ao apelo do longe, Portugal podia ter-se
recusado à acção.”. Contudo, como se questiona ainda o próprio Agostinho da
Silva: “…se Portugal não tivesse embarcado, quem teria embarcado?”.
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