É sabido que, entre os
pensadores portugueses contemporâneos, o igualmente açoriano Antero de Quental
foi um dos que mereceu maior atenção a Gustavo de Fraga, tendo-lhe dedicado
alguns textos. Aqui, determo-nos num deles, sugestivamente intitulado “A síntese
impossível” (In AA.VV., Pensar a Cultura
Portuguesa – Homenagem ao Prof. Doutor Francisco José da Gama Caeiro, Lisboa,
FLUL/ Colibri, 1993, pp. 151-165).
Aí, começa Gustavo de Fraga
por defender que “sob influência de Hegel, o seu eclectismo foi guiado pela
ideia de desenvolvimento, o que o conduziu a investigar qual o pensamento
filosófico mais real e, portanto, na sua época mais verdadeiro. Uma das suas
últimas questões foi a religiosa, que procurou resolver no terreno do panteísmo
espiritualista europeu, entre Bruno, Schelling e Eduard von Hartmann (este
último seu contemporâneo e como ele nascido em 1842), partindo da convicção da
inconsciência do Eu absoluto” (ibid., p. 151).
Salvaguardando, logo de
seguida, que “é impossível separar a sua tentativa de síntese religiosa das
suas ideias morais e metafísicas”, Gustavo de Fraga irá depois defender que “a
unidade do acto filosófico exige que tenha duas raízes, uma na especulação,
outra na moral” (ibid., p. 154), citando o próprio Antero, a respeito da “tarefa”
da filosofia: “sem arredar pé do terreno do espírito moderno, chegar
teoricamente até aquela profundidade de compreensão do ‘homem interior’, como
eles diziam, a que os místicos chegaram”.
Seguindo a via de “um
eclectismo ou um sincretismo mais ou menos sistemático” (ibid., p. 156), Antero
procurará chegar a uma “doutrina mística
definitiva do espírito ocidental, superior à que o Oriente elaborou no
Budismo” (ibid., p. 157) – citando o próprio Antero: “Creio que a obra destes
séculos mais próximos será, não destruir o Cristianismo (quero dizer, o
espírito cristão, o ponto de vista da transcendência metafísica e moral) mas
completá-lo com a ciência da realidade. A religião do futuro, de que nos fala
Hartmann, não pode ser outra, e não julgo necessário ir procurar [a]o budismo,
quando o que nele há de melhor se encontra no Cristianismo, e com uma forma
sentimental mais pura, mais humana.”.
Ressalvando que “esta
liberdade com que Antero de Quental utiliza o Cristianismo (no sentido de
‘espírito cristão’) pouco tem a ver com o Cristianismo como religião revelada”,
Gustavo de Fraga citará de novo Antero, a respeito de Francisco de Assis:
“Considero-o como o primeiro dos precursores do espírito moderno, digo, o
espírito moderno como representado por Bruno, Schelling e Hartmann, do
Panteísmo espiritualista.” (ibid., p. 159). Apesar de todo o seu misticismo –
“quis ser ‘místico dentro da realidade’, porque fora disso só via ‘um novo
paganismo’” –, Gustavo de Fraga assinala “a insuficiência da sua ideia do divino”.
Ainda para
Gustavo de Fraga, essa “insuficiência” decorre da anteriana atracção – fatal,
dir-se-ia – pela ideia de “inconsciente”, que o leva à procura da “dissolução
do eu” e da “negação da personalidade”.
* Para o Colóquio “A Obra e o Pensamento de Gustavo de
Fraga”, co-organizado pelo Instituto de Filosofia Luso-Brasileira e pela
Universidade dos Açores (28-30 de Novembro de 2016). Para mais informações:
www.iflb.webnode.com
2 comentários:
Muito bom!!
“Creio que a obra destes séculos mais próximos será, não destruir o Cristianismo (quero dizer, o espírito cristão, o ponto de vista da transcendência metafísica e moral) mas completá-lo com a ciência da realidade. A religião do futuro, de que nos fala Hartmann, não pode ser outra, e não julgo necessário ir procurar [a]o budismo, quando o que nele há de melhor se encontra no Cristianismo, e com uma forma sentimental mais pura, mais humana.”.
Tenho de me aproximar de Antero, tenho posto este escritor de lado desde que me chegou aos ouvidos de que era Iberista(Era mesmo?)
Abraço
João Ribeiro
Caro João Ribeiro
Sim, era (ninguém é perfeito). Sendo que é preciso contextualizar. Na altura, o iberismo era uma posição muito generalizada...
Abraço MIL
Renato Epifânio
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