Já vimos, em texto anterior publicado neste local, que a «Racionalidade» não é a dimensão suprema
da «Existência humana», mas sim o «Espírito». Também não é a única
dimensão e nem sequer sempre a decisiva.
O «intelectualismo»
e o «racionalismo» são, justamente,
aquela atitude funda-mental que dá prioridade e primazia absolutas ao «logos» sobre o «Espírito» e a «Vida»,
que faz de apenas uma (e, porventura, nem sempre a mais nobre) das dimensões da
Existência humana, o «intelecto», a
dimensão suprema e única a que todas as outras se deveriam subordinar. É a
atitude que precisa se recorrer à «mediação
do intelecto» para provar a sua Existência própria («cogito, ergo sum», de DESCARTES), que separa radicalmente (como se
tal fosse honestamente possível!...) o «pensamento» do «sentimento», do
«vivido», da «vivência» e da «emoção», que não aceita, arrogantemente (como
SARTRE), todo o campo do «inconsciente freudiano» e é cega para o lugar e o
papel do «Métaconsciente hayekiano», que postula, em suma, uma narcisicamente
arrogante, exclusiva, desvinculada, absoluta e totalmente transparente «soberania da consciência, do eu, da vontade
e da razão intelectual», sem se questionar, humildemente, quanto ao exacto
alcance e limites destes e quanto ao papel de outros factores (transracionais
ou não estritamente racionais) na constituição de um conhecimento, de um saber
e de uma vivência com um rosto «pessoal».
É esta a matriz do «racionalismo construtivista cartesiano», denunciado por FRIEDRICH
HAYEK, de feição puramente mentalista e subjectivista, que marca tão
caracteristicamente, não só grande parte da Modernidade (como o mostrou MAX
WEBER), como, sobretudo, grande parte da cultura francesa ou afrancesada. Dele
disse MIGUEL DE UNAMUNO (1 864-1 936), em «Do
sentimento trágico da vida»,
relativamente à radical incapacidade da «razão formal» e intelectualista
cartesiana para exprimir ou respeitar a essência do homem (e o sentimento, a
emoção, o vivido e a vivência, a vida e o trágico), que LÙCIFER (i. é, o Mal
Absoluto) é o Príncipe dos intelectuais e, por isso, o «Grande Intelectual».
Confortando esta nossa crítica ao «racionalismo moderno», ao
«cartesianismo» e ao «intelectualismo», que faz depender o «ser da Existência» do pensamento e do intelecto, veja-se o livro,
com autoridade científica, do neurobiólogo português, radicado nos E.U.A.,
ANTÒNIO R. DAMÀSIO, intitulado justamente: «O
Erro de Descartes – Emoção, Razão e Cérebro
Humano», Publicações Europa-América, 1 995.
Com efeito, o que este autor e cientista nos veio
demonstrar, na sua estrita pers-pectiva da neurociência, é o que já sabíamos de
há muito: que a verdade originária de que há- -de partir-se não é «Cogito, ergo sum», mas sim, justamente ao contrário, que «Sum, ergo cogito», ou ainda, mais rigorosamente, que «Existo (sou) e “posso” pensar». O pensamento, a razão,
o intelecto, é assim apenas «uma» de
entre as múltiplas dimensões do «ser da
Existência», e nem sempre a
decisiva.
E como o século XX foi o século do «intelectualismo» e do
«racionalismo», sobretudo o de matriz francesa e cartesiana, ou continental,
para ele parece também apropriada a seguinte frase de Lord ACTON: «The age preferred the reign of intellect to
the reign of liberty».
E F.A. HAYEK pôde escrever: «(…) Nestas matérias (ciências
sociais) nós ainda somos em grande parte guiados por ideias que são pelo menos
velhas de um século, tal como o século dezanove foi principalmente guiado por
ideias do século dezoito. Mas enquanto que as ideias de HUME e de VOLTAIRE, de
ADAM SMTH e KANT, produziram o liberalismo do século dezanove, as de HEGEL e
COMTE, de FEUERBACH e MARX, produziram o totalitarismo do século vinte. (…)» - The Counter-Revolution of Science: Studies on the Abuse of Reason, 1 952, 1 979, pág. 399.
Este livro demonstra também as origens reaccionárias e autoritárias dos
modernos «positivismo» (como «cientismo») e «socialismo», a propósito da obra de SAINT-SIMON e, depois, de
COMTE: pág. 226 e passim.
VIRGÍLIO CARVALHO (Dr.).
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